Escrevo este manifesto para demonstrar que se podem realizar acções opostas, ao mesmo tempo, num único e fresco movimento. Sou contra a acção; e em relação à contradição conceptual, e à sua afirmação também, não sou contra nem a favor.


Pedro Marques @ 18:43

Qui, 13/05/10

Estou a falar da necessidade que a vida tem para construir uma casa para os seus sentimentos. (...) Enquanto casa de Deus, o mundo é, sem dúvida, infinitamente maior e mais rico que uma igreja; e o espírito do homem, ao adorar o mistério divino, é incomparavelmente mais nobre e mais precioso que seja em que altar for. Mas é este o destino de todos os sentimentos que querem construir uma casa: tornam-se pequenos, diminuem, evidentemente, e tornam-se até um pouco pueris por causa da sua vaidade.

 

Luigi Pirandello, in À Saída - Mistério Profano. Trad. Luís Miguel Cintra.




Pedro Marques @ 00:11

Sex, 03/04/09

Depois de muita luta consegui um bilhete para ir ao Teatro Nacional D. Maria II ver Esta noite Improvisa-se, peça do magnífico dramaturgo siciliano Luigi Pirandello. A obra dele é conhecida por pôr em cena os actores e não as personagens, ou melhor, as personagens são os actores e ao mesmo tempo as personagens (ou será ao contrário?), tornando o palco num local dúbio, fugidio, efémero, não rotulável, e por isso, estranhamente muito mais próximo da vida.

Neste espectáculo do Teatro Nacional, Jorge Silva Melo com os seus actores e técnicos conseguem magistralmente criar essa zona de indefinição, cavando mais fundo naquilo que seria apenas teatro dentro do teatro. Como eles viram bem, Pirandello não estava interessado no teatro e nas suas mecânicas para puro e simples jogo teatral, o autor sabia que ao expor os actores e o seu jogo com as personagens, jogando este jogo, equilibrando-se nessa ténua linha, conseguiria de alguma maneira chegar mais perto da complexidade da representação. Shakespeare descobriu isso também, na famosa cena de Hamlet onde se representa a peça ao rei. Mas Pirandello leva isso mais longe, é um homem do século XX, para ele, o palco, como local apocalíptico, estende-se ao público.

Para os Artistas Unidos este espectáculo assenta que nem uma luva (ficamos a aguardar as Seis Personagens à Procura de um Autor), o universo de Pirandello é superiormente interpretado por toda a companhia. O jogo teatral em todas as suas subtilezas e formas é-nos revelado com calma e prazer, encenadores, actores, personagens, sucedem-se, substituem-se, dirigem-se ao público, cantam, emocionam-se e quase não contam história nenhuma. Estar no teatro é que é o pretexto e não a história. Enquanto jogamos este jogo de emoções, criando mini-acontecimentos, na nossa imaginação vai-se formando uma história, um universo que inclui personagens, actores, encenadores e nós próprios.

Quando a ficção irrompe definitivamente através do monólogo de Mommina (numa interpretação comovente de Sílvia Filipe), nós estamos completamente apanhados nela. Porque para o público já não interessa se aquela é na realidade a actriz a representar a Mommina, isso já é óbvio, ao público só lhe interessa viver aquela ficção, que sabe efémera desde sempre, mas que quer viver, com toda a simplicidade e profundidade.

Um espectáculo a todos os títulos notável, com excelentes actores e uma encenação inesquecível de Jorge Silva Melo para um texto brilhante de Luigi Pirandello.

No programa, ele escreve: "O que me interessa ao voltar a Pirandello é voltar a ver o palco como o lugar da incerteza. Incerteza psicológica, narrativa, social, desequilíbrio sobre o qual se ergue a permanente, ininterrupta, imperiosa necessidade de voltar a contar histórias, de efabular, de especular."

E em boa hora, caro Jorge.

 

Título original | Questa Sera Si Recita a Soggetto (1929) 
Tradução | Luís Miguel Cintra e Osório Mateus (Editorial Estampa)
Encenação | Jorge Silva Melo
Assistência | João Miguel Rodrigues e Luís Godinho
Cenografia e figurinos | Rita Lopes Alves
Assistência de cenografia | João Prazeres
Assistência de figurinos | Helena Rosa
Direcção musical | Rui Rebelo
Desenho de luz | Pedro Domingos
Músicos | António Pedro, João Cabrita / Elmano Coelho, Miguel Tapadas e Vitor Ilhéu.

Interpretação | António Simão, Cândido Ferreira, Lia Gama, Sílvia Filipe, Pedro Lacerda, Alexandre Ferreira, Andreia Bento, Cecília Henriques, João Meireles, John Romão, Pedro Luzindro, Sara Belo, Victor Gonçalves, Crista Alfaiate, João Miguel Rodrigues, Joaquim Pedro, Alexandra Viveiros, Luís Godinho / Pedro Carraca, Miguel Telmo, Miguel Aguiar, Carlos MArques, Jéssica Anne, João Abel, António Rodrigues, Rocardo Batista, Sara Moura, Vânia Rodrigues

Co-produção | Artistas Unidos / Teatro Nacional D. Maria II.