Escrevo este manifesto para demonstrar que se podem realizar acções opostas, ao mesmo tempo, num único e fresco movimento. Sou contra a acção; e em relação à contradição conceptual, e à sua afirmação também, não sou contra nem a favor.


Pedro Marques @ 05:06

Seg, 11/05/09

Aquele que abraça uma mulher é Adão. A mulher é Eva.

Tudo acontece pela primeira vez.

Vi uma coisa branca no céu. Dizem-me que é a lua, mas que posso eu fazer com uma palavra e uma mitologia.

As árvores metem-me um pouco de medo. São tão belas.

Os tranquilos animais aproximam-se para que eu lhes diga o seu nome.

Os livros da biblioteca não têm letras. Quando os abro irrompem.

Ao folhear o atlas projecto a forma de Samatra.

Aquele que acende um fósforo no escuro está a inventar o fogo.

No espelho há um outro que espreita.

Aquele que olha o mar vê a Inglaterra.

Aquele que profere um verso de Liliencron já entrou na batalha.

Sonhei Cartago e as legiões que devastaram Cartago.

Sonhei a espada e a balança.

Louvado seja o amor em que não há possuidor nem possuída, mas em que ambos se entregam.

Louvado seja o pesadelo, que nos revela que podemos criar o inferno.

Aquele que desce um rio desce o Ganges.

Aquele que contempla uma ampulheta vê a dissolução de um império.

Aquele que brinca com um punhal pressagia a morte de César.

Aquele que dorme é todos os homens.

No deserto vi a jovem Esfinge, que acabam de construir.

Não há nada tão antigo sob o sol.

Tudo acontece pela primeira vez, mas de maneira eterna.

Aquele que lê as minhas palavras está a inventá-las.

 

Jorge Luís Borges, Cifra (1981), Círculo de Leitores. Tradução de Fernando Pinto do Amaral.




Pedro Marques @ 23:21

Sab, 16/06/07

Os Meus Livros

Os meus livros (que não sabem que existo)
São uma parte de mim, como este rosto
De têmporas e olhos já cinzentos
Que em vão vou procurando nos espelhos
E que percorro com a minha mão côncava.
Não sem alguma lógica amargura
Entendo que as palavras essenciais,
As que me exprimem, estarão nessas folhas
Que não sabem quem sou, não nas que escrevo.
Mais vale assim. As vozes desses mortos
Dir-me-ão para sempre.

Na tradução de Fernando Pinto do Amaral.