George Grosz nasceu em Berlim a 26 de Julho de 1893. O pai era estalajadeiro e a mãe trabalhava numa cantina.

Os seus primeiros trabalhos são reflexo daquilo que apreciava quando era criança: ilustrações de batalhas em jornais e histórias de aventura – tudo ele copiou. Mais tarde, o pintor deixar-se-ia influenciar pela realidade do mesmo modo.
Embora se desse mal com a autoridade, como comprova o facto de ter sido expulso da escola em 1908, convenceu a mãe a inscrevê-lo na Royal Academy of Art de Dresden. Saiu da Academia em 1911 e mudou-se para Berlim onde se matriculou no College of Arts and Crafts. O estilo dos desenhos de então era profundamente realista: feiras, circos, crimes, suicídios, orgias. Temas ligados ao quotidiano da altura, onde se cheirava a guerra e o conflito em cada esquina das cidades. Em 1914 foi obrigado a alistar-se no exército para servir na guerra, mas em 1915 foi dado como incapaz para o serviço militar. Datam dessa altura os seus primeiros quadros a óleo. Depois da Revolução Russa de 1917, nasceu o “Grupo de Novembro” ao qual se juntou. Ainda em 1918 inscreveu-se no Partido Comunista.
Desde os primeiros tempos que a pintura do artista procura abranger toda a cidade e o seu tumulto diário. Quadros como
A Cidade (1916/17),
Explosão (1917), ou
Metrópole (1917) demonstram como o seu imaginário delirante se focava no burburinho da cidade, naquilo a que ele chamou “Pandemónio”.

Depois de ter sido mobilizado para a guerra e ter mais uma vez voltado, foi internado num hospital psiquiátrico. Numa carta a Otto Schmalhausen, descreve de modo apocalíptico o quadro
A Cidade: «Estou enterrado até ao pescoço em visões – e esta obra exprime as minhas emoções solitárias, o meu entusiasmo vibrante, a cena da rua barulhenta captada no papel! – ou em mijo, o céu estrelado rodopia à volta da cabeça vermelha, o eléctrico aparece a tilintar, o telefone toca, uma mulher a dar à luz grita, enquanto as luvas de boxe e as facas dormem tranquilamente nos estojos elegantes dos proxenetas. Ah, e o labirinto de espelhos, os seus jardins feitos de magia das ruas! Onde Circe transforma as pessoas em porcos, um chapéu e um casaco cómicos, ou o passeio acidentado no Patéphon, onde os ouvintes são agarrados pelas orelhas e a música do gramofone é a palma das mãos e os navios em que partimos – ou as canções das tabuletas, o “ronde” dourado das letras – e as noites vermelhas como vinho do Porto, noites que nos devoram os rins, noites em que a lua e o contágio e um motorista velho e impertinente se juntam e uma vítima foi estrangulada na carvoaria cheia de pó – ó, essa sensação da cidade!”
Na mesma altura Brecht, na peça
Tambores da Noite, também descreveria a noite como vermelha. As imagens sangrentas passavam de mão em mão, de imaginário em imaginário sem deixarem de ser profundamente reais e, ao mesmo tempo, simbólicas.
Grosz era um artista quase exclusivamente engajado com o social, com o dia-a-dia que, na Alemanha daquela época, em plena convulsão da república de Weimar, era pouco menos do que caótico, ou seja, perfeito para a arte analítica e apocalíptica que ele desenvolvia.
As convulsões da república de Weimar, de 1918 a 1923, parirão o monstro do nazismo. A arte de Grosz é mais furiosa do que nunca. As ilustrações dessa época demonstram o cepticismo crescente –
Bravo, Noske! O proletariado foi desarmado! (1919),
Os capitalistas e os militaristas desejam uns aos outros um Feliz Ano Novo (1920).
Grosz diria: «Nessa altura éramos todos dadaístas». O dadaísmo tinha nascido em Zurique no Cabaret Voltaire, durante a Primeira Guerra Mundial, como resposta à insanidade do mundo real, e alastrou-se por toda a Europa. Na Alemanha assumiu contornos vincadamente políticos:

O dadaísmo exige:
- A associação revolucionária internacional de indivíduos criativos e intelectuais em todo o mundo, no espírito do comunismo radical;
- A introdução do desemprego crescente associado à ampla mecanização de todos os sectores de actividade. Só o desemprego garante ao indivíduo a oportunidade de analisar a realidade da sua própria vida e de se reconciliar finalmente com a experiência;
- A expropriação imediata da propriedade (socialização) e a alimentação comunista para todos, e a criação de cidades-jardins e de cidades de luz, que serão propriedade comum de todos e que ajudarão a humanidade a caminhar para a liberdade.
Ainda em 1917 pinta aquilo que pode ser considerado um dos quadros de crítica social mais importantes do século XX:
Alemanha: uma História de Inverno (1917/19).
No quadro vê-se um homem bem alimentado à frente da sua refeição, rodeado do caos da cidade, guardado pelas figuras tutelares do exército, igreja e escola.
As figuras retratadas correspondem à descrição que fez mais tarde dos pilares da sociedade: «Muitos dos meus professores eram indivíduos impositivos, bizarros, excêntricos, com barrigas enormes, calças largas e duvidosas, e colarinhos revirados».

A obra dadaísta de Grosz aproximou-se de Giorgio de Chirico e das suas figuras mecânicas semelhantes a manequins – autómatos desprovidos de vontade e emoção. Retrato agudo da industrialização desumanizadora da sociedade crescente.
Com a estabilização, a partir de 1924, da república de Weimar, Grosz passou a retratar a sociedade de modo mais irónico e a não se envolver de modo tão subversivo. Depois de obras de crítica social e da desumanidade crescente, passou a pintar retratos de amigos que revelam uma preocupação mais contemplativa e benigna. O pintor chegou mesmo a passar períodos em Marselha onde dizia que tencionava pintar «uma série de paisagens vendáveis.» Apesar de ainda estar atento à realidade monstruosa que crescia na Alemanha – como tão bem descreveu em
O Agitador (1928) – que se preparava para eleger Hitler, Grosz parecia perder a fé de que a arte pode mudar o social. As suas inúmeras tentativas de alertar o povo para o fascismo crescente caíram em saco roto:
Auto-Retrato, Aviso, (1927).
Com a ascensão de Hitler ao poder, sucederam-se as políticas racistas e foi com bastante agrado que Grosz recebeu o convite para leccionar na Arts Student League em 1931. Com a ida para os E.U.A., Grosz muda radicalmente a sua arte. O pintor estava ligado ao meio social onde vivia. Os seus grandes quadros alegóricos dão lugar a uma representação expressionista da realidade. Embora o tema ainda seja a cidade, que sempre invadiu os seus pensamentos – e que melhor sítio que Nova Iorque para desenvolver o tema? –, o modo como a pinta agora é fascinado pela organização e aparente liberdade, sem análise crítica mas também sem profundidade. Ele diria a propósito do seu novo trabalho: «Agora, mais do que nunca, considero que a caricatura é uma forma menor de arte e que os tempos que a geram são de decadência. Porque a vida e a morte, se me é permitido dizê-lo, são grandes temas e não devem ser abordados com zombaria nem com anedotas grosseiras.»

Contudo, nos anos 40, Grosz ainda pintaria quadros que ecoariam o seu passado e ainda mais as obras de Hieronymous Bosch no século XV, em
O Fosso (1946) ou
Caim, ou Hitler no Inferno (1944). Vê-se Hitler sentado, limpando o suor do rosto com um lenço; pelo calor do inferno onde se encontra ou pelo trabalho árduo de todas as mortes que teve de mandar executar? Não se sabe. Ao fundo da imagem uma cidade em chamas, imagem longínqua da Alemanha natal de Grosz (a mãe de Grosz viria a morrer num dos últimos bombardeamentos) e, aos pés de Hitler, uma pilha de esqueletos.
Mas a última viragem de Grosz seria vinte e seis anos depois, em 1958, quando decidiu regressar com a mulher aos escombros da Alemanha, trocando a terra que deixara de ser dos seus sonhos por um país em ruínas. No final da vida talvez o artista-pintor tenha finalmente compreendido a importância da ironia e do papel purificador e defensivo que ela representa na vida artística, com a composição de
Grosz, como Palhaço e Corista (1958), onde se vê Grosz pintado como palhaço com corpo de corista, com uma garrafa de
bourbon na mão, com a cidade de Nova Iorque em fundo, num estilo de colagem dadaísta que também ecoa a nova tendência Pop. O círculo tinha chegado ao fim. Grosz começara com a arte popular e terminava com um eco.