Escrevo este manifesto para demonstrar que se podem realizar acções opostas, ao mesmo tempo, num único e fresco movimento. Sou contra a acção; e em relação à contradição conceptual, e à sua afirmação também, não sou contra nem a favor.


Pedro Marques @ 14:51

Dom, 01/03/09

Finalmente consegui ver Slumdog Millionaire que, como acontece sempre em português, tem o audaz e esclarecido título Quem Quer Ser Bilionário?. Ganhou vários prémios nos óscares deste ano, entre eles melhor filme e melhor realizador - Danny Boyle (o mesmo de Trainspotting). É a história de um menino de rua de Bombaim que cresce órfão durante os anos 80 com o irmão e uma amiga que se vai tornando o maior amor da sua vida, e chega aos nossos dias através de um concurso de televisão.

Corro o risco de ir contra toda a gente que já viu o filme ao dizer que o mesmo é muito fraco. E não é por qualquer preconceito para com o Danny Boyle, ou os óscares, ou a Índia, porque no ano passado saudei os prémios ao filme dos irmãos Coen e à interpretação de Daniel Day Lewis no filme de Paul Thomas Anderson. Simplesmente, este ano Hollywood decidiu voltar a um filme fácil, cheio de clichés, com algumas (poucas) boas interpretações e muitas perseguições (sempre que possível). Realmente pensei que o filme fosse melhor (fiquei mal habituado).

Para além de uma história que tem uma boa ideia de partida, o facto de o miúdo saber as respostas no concurso porque todas elas estão ligadas a algum pormenor da sua vida, o que é facto é que todo o seu desenvolvimento é previsível, vamos acompanhando o desenrolar da acção à espera da próxima pergunta e muitas vezes sentimos que as histórias construídas à volta das respostas são forçadas - se a primeira do cantor é engraçada (embora seja escusado o episódio do miúdo cair dentro da latrina antes de ir pedir o autógrafo), as outras são forçadíssimas.

Se o filme pode alertar para a pobreza em que vivem milhões de pessoas em bairros de lata gigantescos na Índia, também é verdade que nos pode alienar da mesma maneira. O filme quer conjugar uma história cor-de-rosa com um pano de fundo de miséria. Mas o pior é que esse pano de fundo é vampirizado por uma história incongruente e inconsequente que no fim não leva a lado nenhum. O miúdo nem sequer vai ao concurso para ganhar dinheiro, como seria previsível e compreensível, não, vai para procurar o amor da sua vida e por acaso fica bilionário. Já para não falar na última pergunta que fecha o ciclo da história, de modo esperto, e à qual nenhuma das personagens sabe responder. E no final "it is written". É demais! Pus-me a pensar no que é que o filme quer dizer e cheguei à triste conclusão que para além do óbvio retrato abimbalhado e pequeno-burguês de uma sociedade superpopulada e injusta não há mais nada.

Não consigo deixar de pensar na maldade barata e caricatural do chefe do bando que acaba com a miúda, ele é mesmo mau!, não consigo deixar de pensar no irmão do protagonista que é, à vez, mau (desvirgina o amor da vida do irmão) e bom (mata os maus!) para o irmão, conforme convém à história, e, como se isso não fosse bastante, morre no final para sentirmos que o protagonista não voltará à mesma dissoluta vida com o irmão e viverá para sempre com o seu amor. Não posso deixar de pensar no mau da fita, aquele homem que parecendo que os salva das ruas os leva para lhes tirar os olhos. (É claro que os dois se irão safar mais tarde dele e envolver-se em mais uma das perseguições que inteligentemente nos deixam sempre ver os antros sujos onde a acção é passada, etc.)

As chico-espertezas do mesmo género pululam no filme. É um bom mau exemplo daquilo que Hollywood nos pode proporcionar. Venha o próximo.