Mudar de casa é uma das tarefas mais dolorosas que se podem fazer.
Encaixotar dezenas e dezenas de caixas e sacos com memórias, papéis velhos, velhas emoções, sensações amareladas, escritos na parede que pensávamos terem sido feitos para sempre, contradições, bons e maus momentos, pensar no que correu mal e achar que tudo podia ter corrido ainda pior, olhar em frente, com esperança o futuro, olhar para trás e deixar correr uma lágrima.
Todos os sentimentos se misturam. A esperança no futuro confunde-se com a alegria nostálgica do passado. As coisas que não víamos há anos parecem agora cheias de vida, pedem-nos para ver a luz do dia e ainda existir mais um pouco.
À nossa volta, enquanto esperamos pelo passo fatal, pela camioneta das mudanças com os seus homens desumanos que olharão indiferentes para as coisas, com ar profissional e sobranceiro, as coisas olham-nos de lado desconfiadas, de esguelha, com um vago olhar de abandono, que não é senão uma pequena chantagem – querem aproveitar-se do nosso sentimentalismo. Mas não podemos desistir. A camioneta já está inexoravelmente agendada para o dia seguinte. Os homens virão e levarão tudo. A casa ficará para trás com a promessa de dias melhores.
E nós na outra casa a tentar colar as memórias a um outro local. A imaginação ainda se lembra das nuvens da antiga casa, do sol que vivemos, daqueles invernos, das intimidades e intimismos, daquelas lágrimas que vertemos.
A outra casa parece-nos estranha. Até o cheiro é diferente.
Mas aos poucos havemos de a fazer nossa. E a antiga casa esvanecerá no meio das nossas recordações até ficar como um dos papéis velhos. A nossa nova casa será mais importante.
Uma casa nova é sempre um começo. Mesmo que a casa seja mais pequena. Mesmo que as memórias da antiga casa sejam vigorosamente sentimentais e dolorosas…
Uma casa nova é sempre mais importante. O futuro é sempre mais importante que o passado. Mesmo que só nos reste um dia de vida.
Por entre esta nostalgia toda das caixas de cartões cheias até acima de CD’s e cassetes vídeo, lápis e apara-lápis, antigos textos, roupas velhas, pautas e almofadas procuro o meu eu, tento reconstruir a vida como se fosse apenas mais um passatempo de palavras cruzadas.