Em Portugal,
Truta é nome de peixe mas também de Associação Cultural ligada às artes performativas: dança e teatro. Apresentam até dia 8 de Outubro na Culturgest
A Resistível Ascensão de Arturo Ui de Bertolt Brecht. Texto escrito em 1941 enquanto o autor se encontrava exilado na Finlândia.
Passada na Chicago dos anos 10, a peça narra a história da ascensão ao poder de um gangster, Arturo Ui, ligado ao comércio da couve-flor. Os nomes das personagens tentam estabelecer paralelismo com figuras ligadas ao nazismo, criando desse modo uma ligação entre a ascensão de Adolf Hitler ao poder e a crescente influência que Ui vai ganhando em Chicago e Cícero. Assim:
Dogsborough = Hindenburg;
Arturo Ui = Hitler;
Giri = Goring;
Roma = Rohm;
Givola = Goebbels;
Dullfeet = Dollfuss;
Trust da Couve-Flor = Junkers (ou proprietários do Leste da Prússia);
Comerciantes de hortaliça = Pequena burguesia;
Gangsters = Fascistas;
Escândalo nas Docas = Escândalo da Osthlife (ajuda ao Leste);
Julgamento pelo incêndio no armazém = Julgamento pelo fogo no Reichstag;
Chicago = Alemanha;
Cícero = Áustria. Como consta no programa da Truta.
O espectáculo é fluente e reconstrói com clareza a atmosfera da peça. A ocupação do espaço do pequeno auditório da Culturgest - o tal palco com um pilar no meio da cena (quando é que eles fazem obras?!) - é inteligente e moldado convenientemente pelas luzes e a acção dramática. Os figurinos padronizam a convenção do princípio do século tentando conservar a intemporalidade. A construção das personagens e a sua representação, contudo, podiam ser mais convincentes. Sente-se durante todo o espectáculo uma atitude caricatural dos actores em relação às personagens. Acho que é aqui que o espectáculo é mais fraco.
A quantidade de referências ao filme
O Grande Ditador de Charlie Chaplin, por exemplo, são escusadas e distraem do sentido principal da peça. O que está em causa, pelo menos para o modo como a leio, não é tanto a interpretação daquelas personagens mas sim o que dirá o público depois de ver aquelas personagens a trair, negociar, matar e finalmente ascender às mais altas esferas da sociedade. Não vale a pena caricaturar as personagens, nós sabemos que elas são ridículas, não pela suposta interpretação que fazemos, mas sim pelas suas preocupações e acções.
A primeira cena da peça é paradigmática do que estou a dizer. Os homens de negócios chegam à boca de cena, trazem consigo malas de viagem, grandes charutos, champanhe, conversam sobre os problemas de negócios em Chicago, introduzem-nos na acção da peça, mas de alguma maneira, a representação deles, o modo como fumam os cigarros, a maneira como são afectados no que dizem deixam-nos apenas com a ideia de que assistimos a caricaturas e que eles são burros. Ora, eles são perigosos e matam. Senti que precisava de ter medo daquelas personagens e daquilo que elas podiam vir a fazer. E isso não aconteceu.
A encenação tem pormenores bastante interessantes, como o pequeno filme onde se mostra, usando do famoso efeito de distanciação, o elenco dos actores, ou na cena do primeiro discurso de Arturo Ui. A mesma ideia é repetida nas cadeiras ao fundo de cena onde os actores se vão sentando quando não estão a representar.
O que fica é um grupo de actores homogéneo, empenhado e talentoso, que apesar disso não conseguiu transportar-nos às altas esferas do texto de Brecht que confirmava a sua actualidade de cada vez que se falava em empréstimos e falências, ecoando o colapso de Wall Street a que assistimos hoje em dia.
Mesmo assim, se puderem, desloquem-se até dia 8 à Culturgest, vale a pena ver.
Título original Der aufhaltsame Aufstieg des Arturo Ui.
Tradução José Maria Vieira Mendes Direcção Joaquim Horta Produção Henrique Figueiredo, Patrícia Costa Cenografia e figurinos Marta Carreiras Desenho de luz Daniel Worm D’Assunção Interpretação Carlos Alves, Duarte Guimarães, Gonçalo Amorim, Joaquim Horta, Paula Diogo, Pedro Martinez, Raul Oliveira, Rúben Tiago, Sílvia Filipe, Tónan Quito Co-produção Truta / Culturgest Apoio Ministério da Cultura / Direcção Geral das Artes