Escrevo este manifesto para demonstrar que se podem realizar acções opostas, ao mesmo tempo, num único e fresco movimento. Sou contra a acção; e em relação à contradição conceptual, e à sua afirmação também, não sou contra nem a favor.


Pedro Marques @ 03:41

Sex, 12/06/09

O primeiro olhar amoroso é a distância mais curta que há entre dois pontos, essa divina recta que não tem igual.

 

Para que as pessoas se compreendam umas às outras, é necessário que caminhem ou se deitem uma ao lado da outra.

 

Se entrasse agora e dissesse "vou-me embora por muito tempo, para sempre", ou: "parece-me que já não te amo" creio que não sentiria nada de novo: de cada vez que se vai embora, cada hora que não está - não está para sempre e não me ama.

 

A traição já caracteriza o amor: não se pode trair um conhecido.

 

Nos meus sentimentos, como nos das crianças, não há graus.

 

Oh, poetas, poetas! Os únicos verdadeiros amantes das mulheres!

 

Marina Tsvietaeva, Indícios Terrestres, 1917.




Pedro Marques @ 05:06

Seg, 11/05/09

Aquele que abraça uma mulher é Adão. A mulher é Eva.

Tudo acontece pela primeira vez.

Vi uma coisa branca no céu. Dizem-me que é a lua, mas que posso eu fazer com uma palavra e uma mitologia.

As árvores metem-me um pouco de medo. São tão belas.

Os tranquilos animais aproximam-se para que eu lhes diga o seu nome.

Os livros da biblioteca não têm letras. Quando os abro irrompem.

Ao folhear o atlas projecto a forma de Samatra.

Aquele que acende um fósforo no escuro está a inventar o fogo.

No espelho há um outro que espreita.

Aquele que olha o mar vê a Inglaterra.

Aquele que profere um verso de Liliencron já entrou na batalha.

Sonhei Cartago e as legiões que devastaram Cartago.

Sonhei a espada e a balança.

Louvado seja o amor em que não há possuidor nem possuída, mas em que ambos se entregam.

Louvado seja o pesadelo, que nos revela que podemos criar o inferno.

Aquele que desce um rio desce o Ganges.

Aquele que contempla uma ampulheta vê a dissolução de um império.

Aquele que brinca com um punhal pressagia a morte de César.

Aquele que dorme é todos os homens.

No deserto vi a jovem Esfinge, que acabam de construir.

Não há nada tão antigo sob o sol.

Tudo acontece pela primeira vez, mas de maneira eterna.

Aquele que lê as minhas palavras está a inventá-las.

 

Jorge Luís Borges, Cifra (1981), Círculo de Leitores. Tradução de Fernando Pinto do Amaral.




Pedro Marques @ 02:51

Seg, 04/05/09

Abatam as juras de amor

falsas como o vento

valem a cor fogosa de uma erupção.

O único momento de límpida honestidade:

quando acordas em meus olhos.

Se sim

os teus cabelos desgrenhados são a coroa

da rainha do meu sangue.

 

António Bento, Fragmentos. Pé de Página.




Pedro Marques @ 02:47

Seg, 04/05/09

Acabei de entrar nos "entas". Estou feliz.

A partir daqui é que vai ser bom. É o que se diz.

Outros dizem, o que foi bom, já passou.

Mas para quem a vida foi sempre a viver

Tanto faz o que ainda não acabou

E o que falta para morrer.


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Pedro Marques @ 23:43

Sab, 25/04/09

Esta é a madrugada que eu esperava

O dia inicial inteiro e limpo

Onde emergimos da noite e do silêncio

E livres habitamos a substância do tempo

Sophia de Mello Breyner, Obra Poética III. Editora Caminho.




Pedro Marques @ 22:32

Qui, 16/04/09

Minha puta

meu coração

Amo-te como quem caga

Empapa o cu na tempestade

rodeada de relâmpagos

É o raio que te fode

brada na noite um louco

entesoado como um cervo

Ó morte o cervo sou eu

devorado pelos cães

A morte ejacula em sangue

 

George Bataille in Qual É a Minha ou a Tua Língua. Assírio & Alvim.




Pedro Marques @ 02:40

Sab, 07/02/09

É o amor. Preserva as tuas entranhas,

porque a paixão não é fácil,

e tudo o que se elege se consome,

ainda que tenha razão.

Vive livre dele,

porque a calma do amor é a fadiga,

indisposição o seu começo, e morte o seu final.

Para mim, sem dúvida,

o morrer por amor é um viver,

e o favor o devo àquele que amo.

Dou-te estes conselhos

porque conheço muito bem o que é o amor.

Mas se tu preferes contradizer-me,

escolhe o que muito bem te agradar.

Se desejas viver prazenteiramente

morre mártir por ele; se não o fizeres,

o amor tem já a sua própria gente.

Quem não morre de amor, por ele não vive.

E o mel não o podes colher

sem te expores às picadas das abelhas.

 

Ibn Al-Farid, Qual É a Minha Ou a Tua Língua? Assírio e Alvim.




Pedro Marques @ 16:14

Dom, 25/01/09

A tarde avança em rios de chap-chap

Dispo a roupa

Revelo os meus ossos

O nome arde-me no cérebro

Tira-me do sério

A loucura é ao virar da esquina

 

Resta-me a beleza de uns olhos

A tirania desse fascínio

O gozo da faca no flanco

Da velha e vibrante vertigem do vermelho

Da carne branca e leve como uma vela

Do silêncio alto e serôdio de uma nuvem

Um traço de cinzento no fim da tarde

 

O eco dos pingos no chap-chap do pátio

Abre-me ao meio, fixa-me no tempo que tenho

A única coisa que é realmente minha

Se ao menos soubesse o que fazer com ele...

 

A minha cabeça revolve a areia do passado

Num turbilhão generoso e calmo

É o frio que me sobe pelos ossos amarelos

Mordo a memória movediça dos teus passos

Passo ao lado da praia de verão onde

A lua iluminava os nossos sexos expostos

Vejo corpos, uivos, segredos sinceros

A eternidade acena-me com o seu pano esfrangalhado

De um sorriso terno e rectificador

Eu dirijo-me para ela

Certo do dever cumprido

Eu, o traidor de mim próprio

O homem do gesto adiado

Do grito sempre pronto

Um megafone do destino

Rouco como um cantor de blues

Improvisado nas veias de um tempo já morto

Guardado na aldeia do meu cérebro


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Pedro Marques @ 18:32

Sab, 10/01/09

Aprende as boas artes, esse é o meu conselho, ó juventude de Roma,

e não apenas para defender réus temerosos;

tal como o povo e o juiz severo e os eleitos do senado,

assim também a mulher, vencida, há-de render as mãos à tua eloquência.

Deixa, porém, a força a bom recato e não mostres um ar confiante;

arreda da tua conversa palavras enfadonhas.

Se não for falho de juízo, quem se põe a discursar diante de uma amante delicada?

Muitas vezes uma carta foi sério motivo de má vontade.

Usa linguagem credível e palavras comuns,

embora delicadas, por forma a parecer que estás ali a falar, em pessoa.

Se não receber a tua mensagem e a devolver sem a ler,

mantém a esperança de que venha a lê-la e conserva o teu propósito.

Com o tempo os bezerros rebeldes afeiçoam-se ao arado,

com o tempo os cavalos aprendem a suportar a dureza do freio;

a anilha de ferro vai-se gastando à força do uso;

a relha recurva da charrua fica corroída, de tanto mergulhar na terra.

Que é que existe mais rijo do que a pedra, mais mole do que a água?

a pedra dura, porém, é escavada pela água mole.

(...)

Se te ler e não quiser responder, não a forces;

procura, apenas, que leia as tuas palavras delicadas até ao fim;

se quis ler, há-de querer responder ao que leu;

a resposta chega com o seu ritmo e seu passo;

talvez te chegue, primeiro, uma carta triste,

a pedir-te que não mais a procures;

se pede, é porque receia que não aconteça; se não pede deseja que insistas.

Prossegue! Bem cedo verás realizado o teu desejo.

 

Arte de Amar, Ovídio. Tradução de Carlos Ascenso André. Biblioteca Editores Independentes, 2008.




Pedro Marques @ 16:22

Sex, 19/12/08

Eu haverei de erguer a vasta vida

que ainda é o teu espelho:

cada manhã hei-de reconstruí-la.

Desde que te afastaste,

quantos lugares se tornaram vãos

e sem sentido, iguais

a luzes acesas de dia.

Tardes que te abrigaram a imagem,

música em que sempre me esperavas,

palavras desse tempo,

terei de as destruir com as minhas mãos.

Em que ribanceira esconderei a alma

pra que não veja a tua ausência,

que como um sol terrível, sem ocaso,

brilha definitiva e sem piedade?

A tua ausência cerca-me

como a corda à garganta.

O mar ao que se afunda.

 

Jorge Luís Borges, in Fervor de Buenos Aires, Obras Completas. Edição Círculo de Leitores. Tradução de Fernando Pinto do Amaral.