A avaliação que Zappa faz da indústria discográfica – um negócio para obter lucros – mostra que não tem ilusões com as loucuras e modas da imprensa rock. A sua única razão de existência é a manutenção de uma conjuntura que dê significado à compra de discos. Jacques Attali falou da necessidade que a indústria discográfica tem de gastar dinheiro a estimular a procura: assim o efeito da produção em massa (o seu termo é “repetição”) diminui precisamente o momento único pelo qual a música deve ser avaliada (aquilo que ele chama “ritual”).
Vista como bem de consumo e objecto de culto e fetiche, a música ilustra toda a nossa sociedade: des-ritualiza uma forma social, reprime uma atividade corporal, especializa a prática, vende-a como espetáculo, generaliza o consumo e depois certifica-se de que está armazenada até perder o significado.1
Apesar de Attali pretender fazer novidade disto, trata-se de teoria marxista. Attali regista o impacto do sistema de mercado na cultura. Walter Benjamin desenvolveu um pensamento parecido ao afirmar que a produção em massa destrói a “aura” do trabalho artístico. Contudo, ao contrário de Attali, Benjamin não diz que se “substitui” a Marx, uma pretensão que Attali pôs em ação mais tarde ao envolver-se com a catastrófica associação socialista de François Miterrand que atacava o padrão de vida da classe trabalhadora francesa – que levou à subida da Frente Nacional de Le Pen.
Seja como for, a fórmula de Attali é útil. Zappa dedica uma atenção especial a estes temas, fetichização de primeira classe (“Penguin in Bondage”), ritual vazio (“Bogus Pomp”), funções corporais (“Why Does It Hurt When I Pee?”), mundo do espetáculo (Thing-Fish), produção em massa (“A Little Green Rosetta”), perda de significado através da repetição (“Teen-age Wind”). Os “extremismos” grotescos de Zappa não são mais que uma resposta a um sistema de mercado que trata as pessoas como coisas, usando todo o vocabulário das raças e da escravatura que a experiência americana proporciona.
Numa entrevista à Telos, a revista trimestral americana da escola marxista de Frankfurt, perguntaram a Zappa se fazia alguma distinção entre arte superior e arte inferior. Ele devolveu a pergunta: “Ou, entre qualquer tipo de arte?”[1]
Esbater a distinção entre arte e vida tem sido uma atividade americana desde Walt Whitman, pelo menos, que exprimia o seu mal-estar com um honroso, embora insuflado, estatuto que era concedido à arte da sociedade desse tempo. Isto explica a aparente contraditória combinação de disciplina e acaso na música de Zappa. “Esta gravação tem de ficar com todas as notas certas”,[2] juntamente com o “Que se foda”.[3] O acaso assinala a entrada do real no projeto. Tal como um surrealista que retrata a Europa devastada antes do começo da Segunda Guerra Mundial,[4] Zappa mistura elementos do mundo real de tal forma que a sua arte se torna microcósmica. Analisa a substância das coisas muito mais profundamente do que a informação real do mundo, o seu passado e o seu futuro. Desde James Joyce que ninguém tentava demolir as barreiras entre arte e vida com um fervor tão produtivo.
Ao falar de arte levantamos a questão da sua definição. Para os marxistas, a arte é o estádio a meio-caminho da burguesia – a meio caminho entre a pompa religiosa do feudalismo e a permanente recriação da vida quotidiana que caracterizaria a sociedade pós-bens-de-consumo. Antes do aparecimento da classe burguesa, os trabalhos artísticos – histórias de aventuras, ocasionais retratos, partituras para alaúde e viola de gamba – não eram investidos com o significado pessoal dado à arte pelos românticos. Se se tivesse incertezas metafísicas, ansiedade sobre o lugar da alma no esquema cósmico das coisas, consultava-se um especialista: o padre. A religião detinha o monopólio dessa faculdade, classificando e castigando como heresia as referências diretas à Bíblia (ou a Deus). Em 1789, a revolução francesa mostrou como a religião apoiou a velha ordem: na fase revolucionária, a burguesia não queria nenhuma das velhas hierarquias do feudalismo e da fé. Ela exigia uma imagem racional do mundo. Quem sondaria agora as profundezas da alma, quem mediria o pulsar de uma vida “interior”? Os poetas e os pintores deram um passo em frente.
A arte foi o substituto da religião, um repositório de valores mais “elevados” que aqueles de fazer dinheiro. As implicações reacionárias deste tipo de idealismo podem ser percebidas (de forma desviada) pelo tom triunfante do senador Paula Hawkins quando, no Senado, fez uma pergunta a Zappa sobre lucros.
PH: O senhor obtém lucros com estes discos de rock?
FZ: Sim.
PH: Obrigado. Acho que esta declaração já diz qualquer coisa ao Comité.[5]
Ao mesmo tempo que a indústria discográfica se deixa censurar, em troca de legislação que reúne dinheiro ao criar um imposto para determinadas gravações, um artista que diz que tem lucro é crucificado. A mesma declaração que devia alinhar Zappa com os interesses económicos da classe dirigente americana é apresentada como prova da sua inutilidade como artista e a sua falência moral como cidadão.
Tais declarações são parecidas com as condenações da esquerda, porque também ela moraliza contra a obrigação de fazer lucros. As estéticas de esquerda sofreram um grande revés desde os dias em que Leon Trótski se correspondia com André Breton sobre as implicações revolucionárias do surrealismo. As dialéticas negativas das habilidades do caniche não têm tempo para as assim chamadas críticas de arte marxistas que meramente completam as altas pretensões da burguesia liberal. Gostar de arte sob o capitalismo é o mesmo que nos divertirmos com a contradição; a outra opção é passar a vida a ler livros de Percy Shelley. Para escárnio dos que impedem a combinação que fazemos entre políticas leninistas e a zappologia, as dialéticas negativas reafirmam um ponto: a arte de Zappa, embora necessariamente colada a uma crença pequeno-burguesa das indústrias caseiras, faz parte de um protesto contra as divisões da sociedade capitalista tanto quanto a música de Charlie Parker ou Kurt Weill. Os que reduzem o marximo a moralidade – um conjunto de palavras-chave que nos separam do resto – arruinaram as dialéticas e impediram qualquer compreensão da indústria cultural. São os mesmos avarentos que disseram que a esquerda devia ignorar o punk. A arte não é simplesmente a representação de aspirações que serão julgadas pelas sua validade. É em si mesma um processo material. Isto cria problemas à ideia de arte como repositório dos chamados valores não-materiais “elevados”. Durante o século dezanove, o próprio desenvolvimento técnico atirou essa ideia para uma crise. À medida que os românticos espremiam cada vez mais expressão pessoal das velhas formas – cromatismo e dissonância na música, simbolismo na poesia, pinturas sobre pintura – alargavam o alcance de conhecimentos artísticos, mas perdiam público. Nas décadas 10 e 20 do século XX o modernismo artístico pressagiou uma nova era na qual não era exigida representação porque a humanidade estava ativamente a construir o mundo – a promessa da revolução russa. Branco em Branco de Casemir Malevich era um objeto no meio do próprio mundo e não uma janela do mundo que ficava para além do antagonismo entre o eu e a sociedade. A sociedade era agora a galeria onde a arte devia operar. À medida que as vitórias da revolução de 1917 recuavam, tais recusas de divisão da sociedade capitalista passaram a não ser bem vindas. No Ocidente, a distância entre trabalhos artísticos modernos e a vida da maioria da população era exibida como evidência da estupidificação massiva; sob o comunismo eram completamente banidos.
A contra-revolução de Estaline suprimiu o poder aos trabalhadores em nome da ideologia “socialista” e instituiu o socialismo realista, um retorno às formas do século dezanove, com uma cláusula para contentamento. O modernismo tornou-se a má consciência do regime. Ao mesmo tempo que Estaline limpava todo o pessoal do comité central bolchevique e os artistas abstratos eram perseguidos e confinados a asilos para loucos.
Sem surpresa, os Estados Unidos viram que podiam promover a arte abstrata em nome da liberdade e empreendimento. Quando Jasper Johns exibiu bandeiras americanas em galerias de arte, um gesto patriótico que não podia ter sido feito mais estrepitosamente, a ação foi explicada por Clement Greenberg como sendo um passo em frente na misteriosa discussão da insipidez da pintura plana, uma dialética que pretendia ignorar todas as políticas da guerra fria. A retrospectiva de Jasper Johns na Galeria Hayward em Londres, em 1991 – no pico da Guerra do Golfo – foi financiada pela Texaco, uma das empresas de petróleo americanas cujos lucros eram ameaçados pela anexação do Kuwait por Saddam Hussein. Tais observações políticas, que desafiam o estatuto de transcendência da arte na sociedade, excedem a composição da ideologia artística americana – incluindo a do pós-modernismo. A observação de Zappa “ou, entre qualquer arte?”, também serve para o libertar de tais obscurantismos. A necessidade de haver negociantes que promovam novas ondas de artistas, a insatisfação dos artistas com o sistema de mercado que não oferecia as promessas do modernismo, levaram à “obsoletização” instantânea que caracteriza os estilos artísticos ocidentais do pós-guerra. A arte tornou-se zona esquizofrénica perigosa, uma mixórdia contraditória de retro-religião, recusa vanguardista. À medida que os comentadores tentavam ver na arte o humanismo de “equilíbrio” de um sistema, conduzido à racionalização do lucro, isso desvanecia-se à frente dos seus olhos com os arcaicos fetiches religiosos (T. S. Elliot, Bob Dylan, Arvo Pärt) ou os criptogramas auto-mutiladores do modernismo (Samuel Beckett, John Cage, Joseph Beuys). Ao manter a sua fé no modernismo e ao reconhecer a incapacidade da arte para transmitir a sua mensagem numa cultura de bens de consumo, os artistas viram-se envolvidos num paradoxo permanente, numa guerrilha de subterfúgios e recusas. Daí a preferência das instituições culturais pelos clássicos produzidos durante a fase heroica da burguesia: Shakespeare, Beethoven, Rembrandt. Reciclar os velhos serve para esconder o preocupante facto de que a sociedade capitalista moderna só produz verdadeira arte quando exalta falhas sociais, resultando numa obsessão com o passado que o modernismo, com o seu consumo filtrado de uma cultura de massas, sob o nome de arte, pouco fez para atenuar.
A busca do modernismo em Zappa é intuitiva em vez de teórica, mantendo a afirmação de que a música e a arte são filosofias concretas – um pensamento sobre o mundo sensualmente globalizante. Them or Us (The Book), a sua resposta às questões de continuidade conceptual, contém uma objeção no prefácio.
Este reles livro, feito em casa, foi preparado para as pessoas que já gostam da música de Zappa se divertirem. Não é para intelectuais e outras pessoas moribundas.
Alguns fanáticos tomam esta hostilidade para com o pensamento sistematizado como pré-requisito para compreender Zappa, o que transformaria um projeto como o presente livro numa obtusidade. Quando comparado com o filistinismo das classes “educadas”, isto é deveras tentador. Contudo, deixa os guardiães da cultura elevada fora de cena, permitindo-os ignorar Zappa como excêntrico do rock de culto. De facto, Zappa tem uma consciência do papel histórico da arte e uma visão do seu lugar nela, tão claras como materialistas.
Há muito que Zappa declarava interesse pelas possibilidades da música clássica. Depois de descobrir a existência de um compositor do século dezoito chamado Francesco Zappa, lançou um disco chamado Francesco, a partir das partituras do Zappa do século dezoito realizadas no computador. Contudo, ele não tinha dúvidas de que o barroco representava uma época de ouro da criatividade musical. Como David Ocker observou na sua nota do folheto do disco, o trabalho do Zappa do séc. XVIII era “dar ao serrote enquanto os nobres jantavam”.
Zappa desenvolveu o assunto no The Real Frank Zappa Book:
As normas praticadas nos velhos tempos começaram a ser usadas porque os tipos que pagavam as contas queriam que as “melodias” que compravam “soassem de certa maneira”.
O Rei dizia: “Corto-te a cabeça se não soar assim.” O Papa dizia: “Arranco-te as unhas se não soar assim.” O Duque, ou outra pessoa qualquer, talvez tenha dito de outra maneira – mas é o mesmo hoje. “A tua canção não passa na rádio se não soar assim.” As pessoas que pensam que a música clássica é de alguma maneira mais elevada que a música radiofónica, deviam dar uma olhadela às formas envolvidas – e a quem paga as contas.
O uso que Zappa faz das partituras musicais não tem nada em comum com os sonhos da pequena burguesia da harmonia pré-industrial, base do consumo de música clássica no século vinte (e do rock neoclássico, de Meat Loaf a Michael Nyman).
Em sintonia com outras figuras da tradição “inventiva” americana – Buckminster Fuller, Charles Ives, Harry Partch, John Cage – as ideias de Zappa têm um toque excêntrico e caseiro, mas por causa da sua atenção a factos que lhe dizem respeito (e a sua impaciência com as justificações liberais), as visões são encorajadas por filosofias radicais e artistas vanguardistas que operam em circunstâncias diferentes. De Sade e Wyndham Lewis traçaram trajetórias paralelas.
O que se segue examina as mais recentes manifestações de tais ideias em Jacques Attali e na Internacional Situacionista, contudo só mesmo Marx e Freud (e o modo como as suas ideias foram aplicadas à música por Theodor Adorno) são capazes de medir a ferocidade dizimadora da arte de Zappa.[1] Telos, Primavera 1991, No. 87, entrevista com Florindo Volpacchio, pp. 124-36. Obrigado a Matthew Caygill por me falar disto.
[2] Frank Zappa, preâmbulo de “Bebop Tango (of the Old Jazzmen’s Church)”, Roxy & Elsewhere.
[3] Nota de Frank Zappa, “The Sheik Yerbouti Tango”, Sheik Yerbouti, 1979. Elevado agora ao estatuto de filosofia menor numa entrevista recente: Zappa! (um suplemnto dos editores de Keyboard e Guitar Player), ed. Don Menn, 1992, p. 64. Aqui é expresso como uma combinação de “quando” e “que se foda” (onde “quando” pode ser interpretado como as “notas certas”).
[4] Max Ernst, Europa Depois da Chuva, 1933.
[5] Audiência no Senado sobre “pornografia no rock”, 1985.
A sirene primaveril da canção transgressora –
Levemo-la na sua incandescente cera
Saturada de cambiantes
Dos quais somos herdeiros
PORQUÊ MARX, PORQUÊ FREUD
Estes escritos, publicados sob o pseudónimo Out to Lunch [2], têm origem em vários periódicos de vanguarda do início dos anos 80. O trabalho de Frank Zappa servia para analisar e ao mesmo tempo denegrir as conquistas da literatura Ocidental, desde os românticos até Henry James, um método que se chamava as dialéticas negativas das habilidades do caniche. Embora escrito de um modo que atraía mais facilmente os literati que os fanáticos do rock, o parágrafo de abertura – “Frank Zappa: As Dialéticas Negativas das Habilidades do Caniche, Parte Um" – ainda resume, para mim, as alegrias e horrores de analisar Zappa e a sua arte.
Ao escrever sobre Zappa comprometer-me-ei com determinadas relações da engrenagem da racionalidade aceite, não quero parecer impressionista ao escrever, nem fazer arte pela arte; a liberdade é sempre constrangida pela necessidade de termos de descer a montanha. Por outro lado, odeio a entediante e ruidosa preocupação do alpinista e as suas auto-justificações, quando a linguagem se torna apologética ela já é corrupta[3] e a linguagem dos zappólogos não é exceção. As descobertas dos zappógrafos não devem ser abandonadas a encarquilhar nas águas da religião para, como bengala, serem transformadas em ilusórios cestos coletores de moralidade forjada. Pelo contrário, as descobertas devem ser usadas para atenuar a auréola inflamada de ansiedade visceral que a reprovação espalha até aos nossos mais obscuros pontos de prazer. A aplicação direta deste unguento, contudo, só encrava o motor, tal como o cinto de segurança que encolheu e ficou mais pequeno.[4] À semelhança da psicanálise, o objetivo é notificar uma cura a partir de dentro e não construir uma cerca de constrangimentos morais. Mas, ao contrário das perversões domesticadas da psiquiatria, a zappografia não pensa regressar aos excessos do motor 2-4-6-8 universal de transmissão por cinto. Desembraiamos, porque tem de ser, atiramos todas as propulsoras intenções aos ventos e, se as peças começam a cair aos bocados, então é porque não valeu a pena consertá-la. Não é que vá evitar algum “risco” envolvido na escrita, pode-se sempre riscar coisas. Cada vez que um tema de Zappa prova a sua valia, percebemos, seja como for, que todo o processo desempenha um papel num microcosmos: dia a dia, o significado e a confiança recoagulam. É errado enfrentar as inevitáveis pressões que levam à justificação, mas isso não quer dizer que não cheguemos lá no fim, ou que não as tenhamos enfrentado antes. Eu prefiro entrar pelas traseiras e ocupar o inimigo por dentro. A estratégia mais primária reside em pegar nas irrelevâncias mais comuns, estruturas que não possuem nenhuma possibilidade de analogia – como os dentes. Mas antes dessa iluminação, a continuidade conceptual do caniche acena-nos. Irrelevância ainda mais comum, porque a sua confiança grosseira começa a assemelhar-se às percepções da caixa de velocidades no coração do motor.[5]
O original prosseguia, comparando “Cheepnis”[6] de Zappa a “Kubla Khan” de Samuel Taylor Coleridge – mas de certeza que a generalidade dos leitores não lucraria nada com tal espécie de preâmbulo.[7]
Para além de se preocupar com Frank Zappa e os seus concertos, vídeos e discos, as dialéticas negativas das habilidades do caniche também lhe aplicam as visões de Karl Marx e Sigmund Freud. Embora tenham sido, supostamente, substituídos pelas escolas de pensamento pós-tudo,[8] as ideias de ambos continuam a brilhar ardentemente, talvez porque aquilo de que falavam – capitalismo e família – ainda estejam no meio de nós. Embora se diga muitas vezes incompatíveis, Marx e Freud partilham características fulcrais: materialismo, hostilidade em relação à religião, obstinada insistência na capacidade da razão humana para apoiar e mudar tanto o mundo como a mente. Ao seu jeito, não erudito, Zappa mantém uma similar crença na razão, recusa-se a permitir que as normas sociais comprometam uma visão de como as coisas podiam ser. Marx desejava fomentar a autoconsciência política da classe trabalhadora; a palavra de ordem de Freud, “o ego estará onde o impulso instintivo estiver,” mostra uma confiança na consciência que está muito longe do pessimismo de Nietzsche e dos seus herdeiros parisienses. Ao desembaraçarem-se dos mistérios e do inconsciente, Marx e Freud são frequentemente condenados pelos que defendem a ordem atual – mas para mim isto indica apenas uma não verdade no modo como as coisas são geridas, tais condenações não denigrem as suas teorias.
Se alguém envolvido na cultura de massas parece apontar para uma não verdade como as coisas são geridas, essa pessoa é Frank Zappa. Obstinado, irredutível, opositor, a sua música é uma disjunção contínua, um Dada permanente. As suas políticas explícitas – lealdade à unidade familiar e honestidade nos negócios mais pequenos – estão tão longe da psicanálise radical ou do marxismo quanto conseguirem imaginar, mas é precisamente porque ele não devolve tais preceitos filosóficos ao nível da representação que a sua música proporciona um malte convincente para o pensamento radical. Zappa produziu uma miscigenação de elementos altos e baixos que envergonham a retórica da arte pop e o pós-modernismo.
A crença de Zappa no conhecimento, que é um golpe à opressão, é ilustrada por este diálogo com um cristão born again durante uma audiência sobre “pornografia no rock” no Senado dos E.U. Poderão imaginar o sentimento das palavras pelo tremor incaracterístico da voz.
CRISTÃO: Algumas destas coisas não são relações sexuais normais.
FZ: Não quer dizer que tenhas de as fazer. A informação não te mata...
CRISTÃO: Elas são demasiado novas para saberem a diferença.
FZ: As crianças aprendem a ver as diferenças ao receberem informação que conseguem juntar e depois selecionar com a tua ajuda de pai. Se não as fizeres saber estas coisas, crescerão e serão ignorantes.
CRISTÃO: Gostava de os manter ignorantes de certas coisas. [Aplauso em massa.]
FZ: Uma pessoa que prefere que as crianças sejam ignorantes está a cometer um grande erro – porque nesse momento, elas podem ser vítimas.[9]
O colapso do comunismo na Europa de Leste levou à morte do estado socialista como ideologia viável para a classe média liberal. Enquanto o vácuo que isto criou é preenchido por uma nova panóplia de irracionalismos de uma nova era, o apelo de Zappa para a razão é tão raro como oportuno.
[1] Hart Crane, “For The Marriage of Faustus and Helen”, 1926, The Complete Poems and Selected Letters, ed. Brom Weber, 1966, p. 31. Tradução de P.M.
[2] Out To Lunch, “Frank Zappa: The Negative Dialectics of Poodle Play Part One’, A Vision Very Like Reality, ed. Peter Ackroyd, Ian Patterson, Nik Totton, Dezembro 1979; “Frank Zappa: The Negative Dialectics of Poodle Play Part Two’, Reality Studios, ed. Ken Edwards, Vol. 5, Nos. 1-4, 1983; “Erogenous Sewage: Poodle Play Explores the Work of Hart Crane’, Heretic, ed. Paul Broen, Vol. 1, No 2, 1980; Out to Another Lunch Party: Plato’s transcendental sofa grounded in material hide by revelations concerning frightened phallicism, spatial screaming and nasal spores”, Equofinality, ed. John Wilkinson, Rod Mengham, No. 2, 1982; So Much Plotted Freedom: The Cost of employing the language of fetishized domination – poodle play explores the sex economy of Henry James” lingo jingo, Reality Studios, Occasional Paper, No. 6, 1987; “Secret Hungers in Horace”, Horace Whom I Hated So, ed. Harry Gilonis, 1992; Secret Hungers in Horace: The Negative Dialectics of Poodle Play Performs a Psychoanalgesis on Horace, Form Books, Occasional Paper, No. 1, 1993.
[3] Theodor Adorno and Max Horkheimer, The Dialectic of Enlightenment, 1944, p. 219.
[4] Frank Zappa, “Florentine Pogen’, One Size Fits All, 1975.
[5] Out To Lunch, “Frank Zappa: The Negative Dialectics of Poodle Play Part One’, A vision Very Like Reality, ed. Peter Ackcroyd, Ian Patterson, Nick Totton, Dezembro 1979, p. 22. Estas palavras também serviram como texto para um concerto para leitor, orquestra e guiterra eléctrica de Simon Fell, Four Slices of Zappa, 1992.
[6] Frank Zappa “Cheepnis”, Roxy & Elsewhere, 1974.
[7] Um preâmbulo que se estende ao resto do prefácio e aos próximos cinco capítulos. Os leitores que queiram passar à frente e ir ao âmago da questão, podem ver a discussão sobre “cuecas” na secção intitulada “Roxy & Elsewhere” no Capítulo 5: Da Bizarre à Discreet.
[8] O termo pós-modernismo é notoriamente vago, mas apesar disso foi bem resumido por Anna Copeland: “Uma reacção a tradições intelectuais que tentam explicar o mundo usando conceitos universais como os modelos freudianos da personalidade, teorias marxistas da economia, ou as explicações causa-efeito usadas pelos historiadores, o pós-modernismo vê a vida no final do século-vinte como uma série de acontecimentos desconexos, um self-service de narrativas ou dissertações que competem para obter atenção.” “Two Cultures: A Reader’s Guide”, Omni, Vol. 16, No. 2, Novembro 1993, p. 44. É contra pós-modernismo deste jaez que as habilidades do caniche se opõem (juntamente com Alex Callinicos; vejam o seu Against Postmodernism: A Marxist Critique, 1989).
[9] Audiência no senado sobre “pornografia no rock”, 1985.
Objetos voadores ao sol
Novas nuvens no planador
Tirantes de plástico mole
Ele e ela - o amor
Lagostas suadas ao sol
Verde rosa pela paz
Explosão de plástico mole
Repetida num bordel ao sol
Deus de plástico mole
Careful with that axe, Eugene
Um planador voador ao sol
Explosão repetida - um bordel ao sol
Ele e ela na casa de Verão
Lagostas verdes de plástico mole
Nuvens rosa na explosão
Um bordel ao sol
Novos planos nos prédios da cidade
Aberta ao mal
Plástico mole nas fardas
Da explosão
Ele e ela pela paz
Num bordel ao sol
Primeiro post do ano: e o primeiro para dizer que este ano vai ser melhor do que pensamos. Para sair fora desta terrível e estúpida tendência que diz que o ano 2012 vai ser pior que 2011. Ainda estamos a dia 2 de Janeiro e já estou farto de ouvir toda a gente, desde as pessoas na rua aos manequins na televisão, passando pelos anónimos ao telefone e no eco das nossas consciências de que o ano vai ser mau, horrível, vamos ficar sem isto e sem aquilo, os impostos vão subir, o desemprego vai subir, o primeiro-ministro quer que a gente emigre para mandar dinheirinho para cá, os canadianos perceberam isso e expulsam-nos, o dólar e a libra continuam a sua guerra surda à Europa, a Europa assiste enquanto os seus amigos anglo-saxónicos assobiam para o lado como se não soubessem de nada. Ao mesmo tempo os chineses compram a Europa a retalho, a preços baixos, os mesmos preços baixos que fizeram a mão de obra ocidental deslocar-se para o Extremo Oriente, os brasileiros preparam-se para os jogos olímipicos e o mundial de futebol para finlamente fazerem parte do mundo desenvolvido. O mundo está em profunda mudança. Que melhor notícia podíamos ter?
Está a terminar o mundo do desperdício, o mundo que via a economia como consumo, esse mundo ainda se agita, na esperança de que as coisas possam voltar atrás, mas não, o mundo já é outro, em 2012 iremos assistir à queda de todas as crenças obsoletas: desde a ganância pelo novo gadget ao fanatismo pelo benfica ou por fátima, desde a irresponsabilidade da poluição e destruição do ambiente à reinvindicação de um local de trabalho estável, duradouro e perene.
O mundo já não está para essas coisas, o mundo está em mudança, e que bem que está, em Portugal está em mudança para pior, no que diz respeito ao dinheiro que iremos ter nas nossas contas bancárias, mas o que é que isso interessa para a nossa felicidade? É claro que precisamos de dinheiro para viver, etc... bla bla, mas precisamos de estar endividados por causa das férias a Cancun em 2005 que ainda estamos a pagar, precisamos realmente de mudar de carro todos os anos para sermos felizes? Precisamos realmente de fazer obras numa casa acabada de construir? Precisamos realmente de gastar dinheiro em coisas inúteis? Porque não mudarmos as nossas prioridades para os livros, a música, o cinema (europeu e português), o teatro, a dança? Porque não, para quê continuar a insistir?
Nós temos um país periférico, virado para o oceano, o que é muito melhor que viver no meio da Europa, cheia de neve e influência germânica. Nós somos um país privilegiado porque temos o oceano como companhia e possibilidade. Para o resto da Europa somos periféricos, mas também somos a entrada da Europa. Se ao menos tivessemos a visão estratégica para perceber isso, se ao menos tivessemos políticos que quisessem ver isso e não apenas o dinheiro que gastamos a mais, se ao menos os nossos partidos não vivessem apenas para ganhar votos e se venderem à primeira oportunidade... If only...
Por tudo isto e mais ainda, estou otimista, 2012 será o ano em que iremos deixar de gastar aquilo que não podemos, deixaremos de consumir demais e começaremos então a ser parcimoniosos no gozo que temos pela vida... é este o meu desejo para o ano...
A pedido de um número de pessoas crescente, aqui fica o novo hino nacional português (também se deve aplicar à Grécia, Itália e outros pigs...)
HERÓIS DO MAL
POBRE POVO
NAÇÃO DOENTE
E MORTAL
EXPULSAI OS TUBARÕES
EXPLORADORES DE PORTUGAL
ENTRE AS BURLAS DA VERGONHA
Ó PÁTRIA CALA-LHE A VOZ
DESSA CORJA TÃO FEROZ
QUE HÁ-DE LEVAR-TE À MISÉRIA
PRÁ RUA PRÁ RUA
QUEM TE ESTÁ A ANIQUILAR
PRÁ RUA PRÁ RUA
OS QUE SÓ ESTÃO A CHULAR
CONTRA OS BURLÕES
LUTAR LUTAR
APRESENTA
No Picnic, Why?
ou
Isto não é um tributo a Frank Zappa
FLIP – Bateria, kazoo, voz
MIKAO – Voz, percussão
ZÉ PAULO – Baixo
RODNEY – Clarinete, voz, percussão
VASQUO – Teclas, voz, kazoo
RUTH – Guitarra, voz
Quando estes seis se puseram a vasculhar nos baús da sua música preferida, Frank Zappa foi o nome que todos escolheram para homenagear. Este espectáculo é uma homenagem, portanto. Mas não é um tributo. Tributar, quer dizer pagamento, imposto. Homenagear, não. Homenagear é festejar a música – Music is the best.
Escolhemos cerca de 20 temas/músicas/canções das cerca de mil que Frank Zappa escreveu durante os 30 anos de carreira. Esses vinte temas podem ser ouvidos em diferentes versões nos seus discos, consoante o tipo de banda que Frank Zappa tinha à sua disposição. É essa agilidade do compositor que procuramos. Estes arranjos serão únicos, originais – You can’t do that on stage anymore.
THE MAMMY ANTHEM – Originalmente, baseámo-nos no disco You Can’t do That on Stage Anymore Vol.1. Mas depois ouvimos a versão do disco Thing-fish, completamente cantada e decidimos fazer uma introdução às vozes com o coro we’d be looking good with the mammy nuns.
Afinal, nós somos as mammy nuns.
JOE’S GARAGE – É a Canoga Park que vamos parar. Recordando os velhos tempos na garagem do Joe (João?) a tocar ri-tu-ti-tu-ti-tu-ti-nu-ni-nu-ni. Sempre os mesmos acordes. Até parecer uma sinfonia. É uma canção nostálgica para aqueles que já têm idade para isso. A propósito, Zappa tinha 39 quando a escreveu... The years are rollin’ by...
MAGIC FINGERS – Depois do confronto com a polícia na garagem do Joe, os nossos seis magníficos músicos prosseguem para os prazeres da noite. Todos eles gostam de rollin’ on the bed mas aposto que nem todos conseguem dar eighty, ninety times, it must have been a hundred todos os dias. O espírito rock tá no meio de nós.
SHOVE IT RIGHT IN – O imaginário dos seis heróis é delirante. Nesta música espiamos uma dessas beldades dos prazeres da noite antes de NOS ir atacar: The secret-stare she would use if a worthy-looking victim should appear. Ela agacha-se, ela agacha-se, mesmo por cima de nós. Practisissing, Practiss, Practicing!
HUNGRY FREAKS, DADDY – Num súbito ataque de sobriedade, os nossos seis heróis decidem levar-se a sério e auto-denominam-se dadaístas-esfomeados. Those who aren’t afraid to say what’s on their minds (The left behinds of the great society). É uma canção política – com solo de guitarra.
WHAT’S THE UGLIEST PART OF YOUR BODY? – Mais uma canção política, desta vez sem solo de guitarra. Uma pergunta que levanta algumas respostas. Qual delas está certa? I think it’s your mind.
ABSOLUTELY FREE – Os nossos heróis viajam agora por entre diamonds on velvets on goldens on vixen on comet & cupid on donner & blitzen, on up & away & afar & a go-go. Tentam abrir a nossa mind para as inanidades do dia a dia. There is no time. E lembra-te que só serás completamente livre se o quiseres realmente SER.
WHAT’S THE UGLIEST PART OF YOUR BODY? reprise – Os nossos seis demonstram como agiriam se os seus cérebros fossem a parte mais feia do seu corpo... freak out!
IT CAN’T HAPPEN HERE – As seis mammy-nuns/heróis/megafones-do-destino encontram-se no mundo onde a mente pode vaguear completamente livre. Talvez dentro de um piano, quem sabe? Os seis cérebros estão ligados apenas por delicados fios telepáticos. É um tema introspectivo, nostálgico – i remember tu-tu.
SOFA #1 – O delírio mental torna-se agora alemão. E numa bonita melodia em ¾ temos a sensação de que é bom voltar à ordem. O passo é de marcha, marcado pelas botas das nossas consciências, voltamos à realidade, ao nosso universo. Eu estou aqui e tu és o meu sofá, Universo. Ich bin alle Tage und Nächte.
WONDERFUL WINO – O regresso à realidade leva os seis de volta aos prazeres da noite, ao vinho. O ano é 1969, o local é Los Angeles, bêbados, arrastam-se pelas ruas, mijam na relva dos jardins, são uma vergonha até para eles próprios. I find myself now living in a cardboard refrigerator box down by the Houston dump. Acabam a pedir 5 euros e uma refeição quente, e se puder ser, um sobretudo.
SHARLEENA – No cúmulo do desespero, os nossos heróis cantam para as suas amadas, que no caso se chamam todas Sharleena, tentando mitigar os seus males. São profundos lamentos. Sharleena-leena cry-y-y-y-yin well hear me cry-y-y-y-yin.
CRUISIN’ FOR BURGERS – Pesadelos de liberdade total invadem as mentes deles. Os bilhetes de identidade são falsos, na verdade the difference between us is not very far. Os nossos bilhetes para a liberdade são falsos também, tal como a segurança que dizemos sentir. Estamos todos excitados por nada. My phony freedom card brings to me instantly: Ecstasy.
CONCENTRATION MOON – Os pensamentos de liberdade levaram-nos aos E.U.A. Corremos em plena liberdade com os nossos amigos, pelo nosso corpo cresce-nos pêlo, é o modo de vida americano: cop killed a creep: pow pow pow.
MOM & DAD – Esta é a história de um casal que vê uma carga policial sobre os creeps/freaks/megafones pela televisão e pensa: It served them right. Alguns dos jovens morrem. Mais tarde o casal descobrirá que a filha estava entre eles. É uma tragédia. Mas, afinal de contas, faz parte do nosso dia-a-dia.
MAGDALENA – Mais uma música sobre pais disfuncionais. Desta vez é um pai canadiano apaixonado pela sua filha. Ele não se consegue conter, ela é o puro objecto do desejo, a mãe tá a jogar bridge com as amigas e nunca saberá. O desespero do pai irrompe aqui na pele dos nossos desejos mais obscuros. O pais justifica-se: I work so hard, don't you understand, make maple syrup for the pancakes of our land. Do you have any idea of what that can do to a man? O tema termina com a sirene da autoridade, mais uma vez.
DOG’S BREATH – Os nossos seis tornam aos seus mundos, nos seus chevy ’39 percorrem as ruas das nossas cidades, incluindo o El Monte Legium Stadium, com bongos no banco de trás, prontos para atacar nos seus ship of love. As naves do amor imploram até ao fim por uma noite de amor: hear my plea.
Morreu hoje o músico e musicólogo português Jorge Lima Barreto. O mais importante teórico da sua geração deixou-nos uma vasta obra de livros "Música Minimal Repetitiva"; "Zapp Estética Pop Rock"; "Rock & Droga" são alguns dos títulos. Foi, com Vítor Rua, membro fundador dos Telectu. Ler aqui o artigo que escreveu dedicado ao seu companheiro.
É uma grande perda para a cultura e para a música portuguesa. Morreu aos 61 anos, vítima de pneumonia. Ver notícia no Público.
Enquanto esperamos por alguma notícia oficial do governo a distiguir este nome maior da cultura portuguesa, não podemos deixar de indagar para onde vai o seu enorme espólio que contém milhares de discos, livros, instrumentos, escritos vários e outras coisas que qualquer país gostaria de ver catalogados e inventariados para consulta. Esperemos, pois.
Aqui o texto de António Barros sobre a sua vida.
E aqui o belo texto do blogue Nova Casa Portuguesa.
"Não há dúvida de que Zappa como líder, compositor, arranjador e produtor, tal como executivo de editora discográfica, director executivo e realizador de filmes/vídeo era um patriarca; Zappa geria as bandas e o seu negócio como uma ditadura benevolente, muito à maneira dos patriarcados das velhas escolas onde foi criado. Desde as primeiras gravações, Zappa transpirava o mesmo tipo de saber-fazer que marcou o melhor espírito empreendedor americano demonstrado no seu espírito de restauro; restaurar gravações velhas, editá-las e renová-las (como ele fez no caso de Lumpy Gravy ou quando a Warner Brothers se recusou a lançar o álbum Läther); e usava as novas tecnologias no estúdio, trabalhando sempre nos seus limites. Mais, apesar de algumas opiniões contrárias, Zappa era uma pessoa extremamente generosa. Durante toda a carreira sofreu muito para ajudar a carreira de outros (Alice Cooper, Captain Beefheart, as G.T.O.s) e tinha muitas vezes pessoas, amigos, parentes, e empregados a viver na sua casa durante dias (às vezes semanas ou anos), e, apesar de não parecer apreciar assim tanto, Zappa falava sempre com repórteres e estudantes. Zappa, apesar de algumas provas em contrário, era realmente um optimista, no fundo, que parecia acreditar no fundamental sonho americano: se trabalhares no duro e fores honesto, então és bem sucedido. Apesar de tudo, a sua vida foi uma longa série de desilusões profissionais."
Kelly Fisher Lowe in The Words and Music of Frank Zappa, University of Nebraska Press, 2007.
As eleições do princípio do mês em Portugal marcaram uma viragem à direita do país. Mais grave ainda, mostraram-nos que 85% dos representantes do povo são a favor do Memorando assinado com a Troika (BCE e FMI). Por isso, estamos todos agarrados ao cumprimento de várias medidas de austeridade, descidas de salários, aumento de impostos, etc, sempre as mesmas medidas dirigidas aos mesmos. Na Grécia vemos aquilo em que o nosso país se vai tornar daqui a um ano se cumprirmos estas medidas cegamente sem ter em atenção o crescimento económico.
Portugal foi tomado de assalto pelos partidos do regime.
Pelos partidos políticos que venderam, retalharam, sufocaram, estriparam o país em sucessivos governos desde, pelo menos, 1986 - desde aquela nova oportunidade que se chamava CEE. Esses partidos são responsáveis pelo estado calamitoso a que o país chegou. Mas, dito isto, devemos também perceber o que significa esse estado de calamidade. Este medo crescente, esta pressão constante tem uma origem apenas, e chama-se CAPITALISMO e a sua ORDEM FINANCEIRA. Reparem que não digo "capitalismo selvagem" ou "desregrado" ou qualquer outro eufemismo com que costuma ser baptizado para designar a selvajaria do mundo de hoje. Não, falo do Capitalismo que tem por base o "lucro" (filho de Adam Smith e outros economistas criminosos) e o nosso sistema financeiro que destruiu a pouca economia que ainda mantinha uma relação mais ou menos clara com o TRABALHO. Hoje em dia, o trabalho realizado não tem nada a ver com o preço dos produtos. Em Portugal, como no mundo, o que frutifica são os produtos financeiros, a (mentira) da publicidade, o esquema jurídico e policial que mina as instituições, sejam elas quais forem, a fama desportiva e artística completamente deslocada da realidade, desde os ordenados milionários do Ronaldo aos prémios chorudos de Hollywood. Aquilo que medra, hoje em dia, em geral, é a mediocridade das relações das pessoas, completamente afastadas e destituídas da sua razão de viver. Pessoas normalmente bem formadas, educadas e civilizadas, tornam-se em animais sedentos de competição dependendo do sítio onde se encontram, dependendo dos seus "interesses" legítimos.
É neste caos de relações destruídas, de pessoas e instituições, estados e organizações internacionais, que temos de salvar a Grécia ou bombardear a Líbia, temos de pressionar o Irão e beatificar Israel, é neste vórtice que torna o nosso mundo também tão interessante que temos de discernir aquilo que nos mais convém e lutar por aquilo em que acreditamos. É isso que faço todos os dias. É isso que faço neste momento.
Um blog é aquilo que as pessoas que o lêem fazem dele e não aquilo que o seu criador quer que ele seja. Tenho a noção de que aquilo que escrevo tem pouco ou nenhum alcance na nossa sociedade portuguesa podre, mas nem essa céptica noção me leva a calar-me.
A nossa sociedade, capitalista, financeira, competidora é um embuste. Acho que é isso que quero dizer. Precisamos de uma nova economia, uma economia que seja mesmo "económica" e não como é agora, uma economia que "consome". Consumir o mais possível não é, nem nunca foi, economizar. Consumir com base na publicidade (enganadora) ou naquilo que nos dizem que temos de comprar (seja o sabonete para combater os vírus, seja os pepinos estragados, seja o antrax, etc.) só perpetuará a ordem multinacional dos produtos e encherá os bolsos daqueles que realmente mandam neste jogo viciado: os bancos centrais.
O meu conselho é: não acendam a televisão, não se deixem enganar pelo medo com que nos mantêm em rédea curta. Ignorem-nos. Forjem um mundo novo dentro da vossa casa e depois exportem-no para a rua, mas não se deixem enganar por aquilo que vos dizem os Marcelos e os Sousa Tavares e os pivots dos telejornais.
Falta pouco para irmos para a rua como os gregos. Mais exatamente um ano. :)