Escrevo este manifesto para demonstrar que se podem realizar acções opostas, ao mesmo tempo, num único e fresco movimento. Sou contra a acção; e em relação à contradição conceptual, e à sua afirmação também, não sou contra nem a favor.


Pedro Marques @ 21:37

Qui, 27/11/08

‘ZOMBY WOOF’

 

Tal como em Uncle Meat e Ruben & the Jets se mostra que os mesmos sons podem revelar tanto abstracções de vanguarda como uma ‘simplicidade imbecil’, a introdução de ‘Zomby Woof’ – que é uma canção rock ostensivamente obscena – é tão estonteantemente complexa como qualquer tema de Waka/Jawaka. Faz uso de secções breves de material contrastante que parecem dar aos músicos um caminho cheio de obstáculos para percorrer, alternando metais de R&B com trompetes de jazz ligeiras e untuosas (e uma melodia atonal complexa). Colagem de elementos contraditórios. Como de costume, também, ‘Zomby Woof’ perpetua conscientemente uma tradição, desta vez na veia de canções ameaçadoras e demoníacas como ‘The Wolf Is At Your Door’ de Howlin’ Wolf (na verdade, o próprio canta o seu nome de maneira a que soe como ‘woof’; o refrão ‘reety-awrighty’ faz referência à rotina de Joe Turner). Overnite Sensation foi misturado e lançado originalmente em quadrifonia (o passo à frente do estereo que nunca se impôs). A voz de Ricky Lancelotti deveria vaguear por todo o espaço sonoro. O Zomby Woof é o pesadelo de um morto-vivo, com o ladrar de cão incorporado no nome. O woofer (oposto ao tweeter) é o componente grave de um altifalante: a canção também é um comentário à divisão sexual da tonalidade..
Apesar do ritmo desenfreado da música de ‘Zomby Woof’ o baterista bate nos pratos apenas uma vez por compasso, no sítio mais inesperado. O solo de guitarra de Zappa é do seu estilo mais contorcidamente orgânico, uma confusão eléctrica convulsiva e distorcida; os teclados de George Duke deslizam livremente nas suas sugestões. A qualidade de banda-desenhada da letra podem levar-nos a esperar uma rockalhada fácil e directa, mas se prestarmos atenção aos instrumentos no solo, o baixo e a bateria não param de aparecer nos sítios mais inesperados (tal como o Papão!): um arranjo único. As bandas de rock e jazz trabalham normalmente na direcção das suas químicas especiais, intuitivamente: por contraste, Zappa é extremamente deliberado. Cada melodia tem o seu conteúdo bem distinto. As suas direcções perversas colidem com o fantástico sentido de swing dos músicos. Duke usa um clavinet à la ‘Supersitition’ para a reentrada da voz, enquanto o violino amplificado de Jean-Luc Ponty sobrepõe a sua tinta particular.
Os anos de experiência de jazz de George Duke dão uma grande elevação aos solos. A sua musicalidade funky adiciona uma fluidez à música de que se sentiu muita falta nas bandas dos anos 80 de Zappa. Duke também era bastante divertido, como provou na sua rotina famosa dos ‘finger-cymbals’, onde contava piadas sobre os membros da banda e papões. Na mistura do CD de Overnite Sensation, o baixo de Tom Fowler ficou mais presente, uma mistura de flexibilidade e força firme e redonda. A sua linha de baixo ‘country’ em Montana é estonteante. Em ‘Fifty-fifty’ ouvem-se os únicos solos: o de George Duke é maravilhoso, audazmente inventivo; o violino de Jean-Luc Ponty, a derreter-se, é o equivalente auditivo perfeito para a porcaria viscosa que Cal Schenkel desenhou no interior da capa do disco; Zappa começa aqui a sua conquista de um som de guitarra da alta tecnologia, inundando a sua lógica linear com efeitos borbulhantes.
Uma nova descoberta – feita por Zappa num bar no Havai – foi o saxofonista Napoleon Murphy Brock. Fantástico bailarino, flautista e cantor espantosamente elástico, a espontaneidade de Brock e o entusiasmo marcaram indelevelmente a música de Zappa nos anos que se seguiriam.



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