Durante aproximadamente 40 000-50 000 anos, à medida que as linguagens se foram desenvolvendo, inventaram-se novas tecnologias, mas também manifestações culturais orais e expressivas que permitiam que determinadas sociedades e grupos se lembrassem, reflectissem, celebrassem e interpretassem as histórias em permanente evolução e as respectivas identidades através de manifestações orais/verbais, corporais e artísticas. Os percursores dos sistemas de escrita apareceram há cerca de 100.000 anos, quando os humanos inventaram uma larga variedade de símbolos gráficos e mnemónicas (auxiliares de memória) para armazenar informação. Os símbolos gráficos eram naturalmente reproduções de fenómenos comuns do mundo material, como o sol, as estrelas, a fauna, a flora, as figuras humanas, etc. Os auxiliares de memória, como os nós (laços), os entalhes feitos em osso ou em bastões, os ideogramas, tinham funções linguísticas. Os nós datam do primeiro período Neolítico e atingiram o auge nos Incas sul americanos quipus - através do seu sistema elaborado de contagem. Enquanto os nós e os entalhes gravam números, avivam a memória e sugerem categorias, as imagens podem gravar muito mais informação e ao mesmo tempo sugerir características e qualidades. Há dezenas de milhar de anos, a comunicação por imagens apareceu na primeira arte das cavernas e, em alguns nativos americanos, os ideogramas foram usados bastantes vezes para transmitir mensagens complexas sem terem de recorrer à linguagem. Nós, entalhes e ideogramas ficam "incompletos" ou são uma "pré"-escrita, no sentido em que não usam as marcas ou imagens para comunicar um discurso articulado.
Os sistemas de escrita não evoluiram como a linguagem, foram antes inventados para transmitir discursos articulados através da gravação de marcas convencionadas e artificiais numa superfície dura. A palavra escrita transformada em signo representativo. Na Mesopotâmia, eram usadas fichas em barro cerca de 8000 a.C. para contar grão e animais nos acampamentos rurais da região. Cerca de 3000 a.C., os sumérios, na Mesopotâmia, conseguiram desenvolver, a partir de um reportório de ideogramas e símbolos, o primeiro sistema de escrita - a escrita cuneiforme. A escrita cuneiforme é uma forma de escrita raspada ou inscrita em pedaços de barro com uma ferramenta pontiaguda (agulha). Com essa invenção dos sumérios, os indivíduos começaram a ler um sinal inscrito em barro e a vê-lo como um som de valor independente.
Por volta de 2500 a.C., a escrita cuneiforme simples era capaz de "comunicar qualquer pensamento... preenchendo exatamente as necessidades da sua sociedade". As primeiras inscrições são listas de pagamentos, de bens, de pessoas, etc. De todas as inscrições cuneiformes descobertas, 75% são administrativas e contabilísticas. Os outros 25% são escritos legais, religiosos, astronómicos e médicos, dicionários e receitas. Ainda, nestes 25% - e mais significativo, para os nossos propósitos - são as primeiras e mais antigas das literaturas do mundo. Incluem hinos, lamentos, descrições de actividades dos deuses e histórias quase épicas. Os trabalhos poéticos existentes incluem dois poemas de Enmerker, dois poemas de Lugulbanda e um ciclo de cinco poemas conhecido como Gilgamesh. Os ciclos Gilgamesh datam aproximadamente de 2700 a.C.. Tal como os tardios épicos gregos, a Ilíada e a Odisseia, o épico Gilgamesh foi provavelmente uma compilação de histórias díspares relacionadas, juntas e elaboradas por contadores de histórias e finalmente escritas após centenas de anos de actuações e transmissão oral. Gozava de grande popularidade por todo o Próximo Oriente e existem versões sumérias, hititas e hurritas.
A transição da comunicação oral para a escrita não foi universal e o seu desenvolvimento teve lugar em épocas diferentes, com sistemas diferentes, em culturas diversas e períodos diferentes. O segundo caso de desenvolvimento independente de escrita que se pode documentar é entre as sociedades de nativos americanos na América Central, provavelmente no sul do México desde aproximadamente 600 a. C. É possível que os modos de escrita de chineses, egípcios e da Ilha da Páscoa se possam ter desenvolvido independentemente. Quer isto seja o caso ou não, os linguistas concordam que todos os sistemas de escrita foram inspirados, ou descendem directamente dos sistemas sumérios ou centro-americanos.
Os primeiros povos letrados que desenvolveram a escrita, fizeram-no ao adaptarem e copiarem sistemas de escrita que encontravam. Por exemplo, na costa Norte da Síria, os escribas ugaritas semitas basearam-se nas formas da escrita cuneiforme suméria para escrever a linguagem hurrita. No Leste da Ásia, alguns estudiosos acreditam que foi no estado Shang na China central do Norte (cerca de 1500-1545 a.C.) que a primeira versão do sistema de escrita de caracteres chinês se desenvolveu (discute-se se originário da Mesopotâmia), que mais tarde influenciou o desenvolvimento dos sistemas de escrita usados na Coreia, Japão e Vietname. No subcontinente da Índia onde se desenvolveram mais de 200 escritas, todas derivam de uma fonte - a escrita Brahmi - ela própria originária de uma fonte semita (provavelmente aramaica) de c253-250 a.C. O sucesso de um sistema de escrita em particular não quer dizer superioridade mas adaptabilidade. Não é "a eficiência de um sistema de escrita que determina a sua longevidade e influência, mas sim o poder económico e o prestígio daqueles que o usam... Um poderoso sistema de escrita da sociedade - o alfabeto de consoantes - marcará a história, enquanto uma sociedade fraca desaparecerá".
Os historiadores dos primeiros sistemas de escrita argumentam que a escrita nasceu apenas quando e onde havia necessidade de um sistema de escrita, num contexto que fornecia as infra-estruturas sociais, económicas e humanas necessárias para ajudar os especialistas da linguagem escrita, como copistas, bibliotecários, professores, especialistas religiosos, poetas, e finalmente em alguns casos, dramaturgos e as companhias de actores/bailarinos que podiam fazer a apresentação de uma peça. Todas as sociedades que inventaram a escrita (Suméria, América Central, China, Egipto) ou foram precoces na criação dos seus próprios sistemas (Creta, Irão, Turquia, o Vale de Indus, as culturas Maia) "eram sociedades socialmente estratificadas, com instituições políticas complexas e centralizadas." Armazenavam os excedentes de comida crescentes dos camponeses que apoiavam estas instituições e especialistas.
A escrita nunca se desenvolveu em sociedades organizadas de caçadores-colectores, em bandos ou em tribos ou entre chefaturas mais sedentarizadas, porque não havia necessidade, instituições ou estruturas agrícolas necessárias para a apoiarem. Por exemplo, em muitas das ilhas do Pacífico, a escrita foi desnecessária durante séculos. Muitas sociedades do Pacífico nunca desenvolveram estados elaborados porque não havia necessidade de um sistema complexo de registo.
Philip B. Zarrilli
Traditore, Pedro Marques