A frase mais usada de todo o jornalismo desportivo português desde que começaram os Jogos Olímpicos é: "ficar aquém". Paulo Catarro na RTP1, por exemplo, não diz outra coisa, com aquele olhar entre o desprendido e o ofendido (que medem bem o oportunismo da televisão portuguesa), desenrola todos os dias listas de atletas portugueses, nunca antes conhecidos, que ficaram longe das suas marcas pessoais. O apresentador das noites olímpicas pergunta aos vários convidados do programa quais são as razões de tamanho desaire da comitiva olímpica, que nunca foi tão numerosa, indaga os motivos, mas não percebe que uma das razões reside na falta de apoio aos atletas que a própria RTP1 demonstrou durante os 4 anos de preparação (pelo menos) dos atletas. A participação ficou aquém? O país está todo aquém.
É claro que para nós, portugueses, é muito difícil engolir as frases do lançador do peso Marco Fortes (que preferia ficar na caminha e depois aconselha toda a gente a lutar pelos mínimos... para quê? será que as caminhas na China são diferentes das portuguesas?), é aflitivo ouvir as frases do Arnaldo Abrantes: que as pernas bloquearam quando partiu para os 200m e que não chegou cansado ao fim(!), sintomáticas as palavras da judoca Telma Monteiro sobre o árbitro dos Jogos (quando todos vimos, no combate, que ela parecia mais preocupada em pentear o carrapito e parecer bonita para a fotografia).
Depois são ofensivas as palavras de Vânia Silva: "Não sou muito dada a este tipo de competições." O quê?! Mas ninguém lhe explicou onde estava? São desesperantes as de Jessica Augusto depois de uma quase magnífica prova, onde só faltou a ponta final, a garra, para ser apurada, que disse "Agora vou de férias. Treinei para os 3000 obstáculos. Não vou aos 5000m. As africanas são fortes. Não vale a pena." Não vale a pena?! O quê?! Ficámos a saber então que se tivesse sido apurada para os 3000m (o que esteve muito perto de alcançar, não fosse a confusão no obstáculo da vala) correria então os 5000m e passaria de medíocre a campeã olímpica de duas provas diferentes em menos de nada. Mais, quando se pode desfrutar dos Jogos (que só acontecem de 4 em 4 anos), não aproveitamos, e depois dizemos que não temos experiência! Já para não falar do cavalo e cavaleiro portugueses que não estão habituados a tecnologia no local de trabalho - é compreensível, dada a cobertura televisiva e mediática quase nula de qualquer evento hípico em Portugal.
Mas devemos aplaudir aqueles que deram o seu melhor. Estou a falar dos nadadores que bateram 5 recordes nacionais de natação, estou a falar da participação do Gustavo Lima que ficou em 4º lugar na vela, estou a falar da participação daquele judoca que chorou no final do combate, não me lembro do nome, falo da Vanessa Fernandes que é um poço de combatividade e garra, de querer e vencer, falo da Naide Gomes que me fez ficar acordado até às 6 da manhã embora não tenha feito mais que saltar quase 1 metro menos do que aquilo que vale, falo do Emanuel Silva que, para mim, vai ser a surpresa portuguesa, porque há sempre uma, não é? Força Emanuel Silva!!!! Falo do Nelson Évora que não nos deve desiludir da mesma maneira que a Naide (apenas por razões estatísticas, claro) e falo de todos os outros que deram o seu máximo. Não devemos pedir medalhas aos atletas portugueses, devemos pedir esforço, dedicação, brio, profissionalismo. Não devemos pedir declarações pomposas, devemos pedir acções heróicas.
Se não pedirmos medalhas, se não criarmos expectativas, se não fizermos grande alarido nunca ficaremos aquém.
Não podemos agora, por outro lado, fingir-nos preocupados com a participação portuguesa nos Jogos Olímpicos quando 80/90% da população portuguesa nunca assistiu a uma competição de natação, hipismo, judo, atletismo, vela, ou ténis de mesa. Como é que se pode pedir a um atleta que se exceda se sabe que não vai ser proporcionalmente correspondido pelo povo que representa?
Antes de pedirmos contas à maior comitiva portuguesa de sempre nuns Jogos Olímpicos devemos reconhecer que ela espelha exactamente o Portugal em que vivemos. Portugal também só fez os mínimos para entrar na CEE. Depois foi o que se viu... medalhas só a de ouro no Desperdício de Recursos Humanos. Daí para cá tem sido uma história de alguns recordes nacionais (o índice de desemprego, a precariedade e ignorância), algumas vitórias (das mais baixas taxas de morte infantil do mundo) e muita oca esperança no futuro (pelo menos).
Acho que devíamos receber todos os atletas como compatriotas e explicar-lhes apenas, sem moralismos, o que significa competir por uma bandeira, um desígnio, uma língua, uma coisa qualquer, uma lata de desodorizante, um sapato de ténis, um bife ou uma caminha.
Ou seja, o que significa competir.
Dizer-lhes que se trata de uma celebração de vida e vitalidade. De força e razão. Uma espécie de esperança. Como disse o ex-nadador olímpico José Couto num recente debate na RTP1: "Desporto é saúde: não é só vitórias."