Estou a cortar com o passado. Ou melhor, com todo o passado podre que pende da minha memória como aqueles relógios do Dali. O passado que não vale a pena, mole, sem espinha dorsal. Corto com aquelas coisas que não interessam porque só nos fazem gastar energias e nos desiludem constantemente. Os imbecis e os trafulhas. Os hipócritas e os traidores. Está na hora de fazer um balanço. Já tenho idade para isso.
Isto não quer dizer que tudo seja para deitar fora. Ainda há pessoas e memórias que valem a pena. Essas pessoas sabem quem são e não precisam de ser nomeadas. São aquelas pessoas que sempre me respeitaram como eu as respeitei. Aquelas pessoas que me viram errar e carinhosamente mo disseram na cara. Aquelas pessoas que eu vi errar e que ouviram o que eu tinha para dizer. A nossa modéstia deve ser na mesma medida que a nossa generosidade.
Houve um tempo em que amei uma mulher. Amei-a mais do que qualquer coisa no mundo. Amei-a tanto que o meu coração não tinha lugar para mais nada. Nem para mim. Era um amor absoluto, incondicional, abrangente, puro como nunca houve outro. Esse amor acabou. Morreu. Dele guardo memórias, sorrisos, esperanças, projectos a dois que não se concretizaram por mentiras e inconsistências. Por imaturidade e distância.
Agora amo esse amor tão brutal. É um sentimento que não me abandona nem nunca me abandonará. E isso não quer dizer que mantenha uma esperança qualquer dentro de mim. Não. Não é uma obsessão. É apenas uma maneira de dizer: valeu a pena.