Escrevo este manifesto para demonstrar que se podem realizar acções opostas, ao mesmo tempo, num único e fresco movimento. Sou contra a acção; e em relação à contradição conceptual, e à sua afirmação também, não sou contra nem a favor.


Pedro Marques @ 20:59

Ter, 25/03/14

Aproximam-se mais umas eleições. Mais uma ocasião para mostrarmos que aqueles que nos governam não o fazem para o nosso bem comum. Não é assim desde o final dos anos 80 e as ignorantes gestões do Sr. Cavaco, não foi assim nos anos do displicente Guterres, continuou da mesma maneira com o misericordioso Santana Lopes e prossegue agora com o burro Passos Coelho. Aliás, basta ouvi-los falar. Basta ouvir os deputados e outros responsáveis dos partidos do governo para vermos o que defendem eles. A posição deles é clara. Do lado dos credores. Quantas vezes já ouvimos dizer "os credores não vão aceitar isso", "os credores isto e aquilo", "os credores não fazem parte do texto dos 74 e amigos", "os credores não vão emprestar", "os credores querem ser pagos", etc. A posição deles é sempre esta. Do lado dos credores. Nunca ouvimos os senhores do governo a dizer, "vamos falar com os credores porque a austeridade não pode resolver a crise", ou "as negociações com os credores terão lugar dentro de x dias". Não, nada. Aquilo que ouvimos é as posições dos credores através da boca do nosso próprio governo. É aviltante, mas é verdade.
Toda a gente sabe que a dívida externa portuguesa é muito antiga. Mesmo muito. Sempre fomos devedores, sempre estivemos à mercê dos credores. Mas, quando entrámos para a CEE podíamos ter invertido a história. Podíamos ter construído um país sustentável. Podíamos ter apostado na qualificação, na educação, na produção de bens de valor acrescentado. E o que é que fizemos pela mão do nosso Não-político Cavaco? Tivemos dez anos onde não havia Ministério da Cultura, dez anos onde os fundos estruturais foram estruturar os bolsos de uns poucos de amigos, abriu-se o país ao investimento estrangeiro para ele se aproveitar da nossa mão-de-obra barata, destruiu-se a produção agrícola, pesqueira, industrial. Todos sabemos isso. E quem é que fez isso? Quem é que era o chefe dessa pandilha? Isso mesmo, adivinharam, nada mais nada menos que o nosso atual Presidente da República. É preciso dizer mais alguma coisa?
Agora estamos no pior dos momentos no país porquê? Porque o presidente é esse senhor, o mesmo que não tinha uma ideia original nem que ela lhe saltasse para o colo, e como primeiro-ministro o tipo que era da juventude do mesmo partido. O betinho Pedro, que não faz a mínima ideia do que é trabalhar. Não faz, nunca fez, nem nunca na vida deve ter dado valor a ninguém que não esteja vestido de camisa e use uns sapatos de vela. Sim, até posso estar a exagerar e ser injusto e xenófobo, mas a conversa destes senhores da direita que estão no poder enoja-me. Enoja-me a sua ignorância, a sua corrupção, a sua prepotência. Eu devia tentar focar-me na política deles e tentar desmantelá-la. Mas depois penso. Qual política?
Para além dos intermináveis cortes, onde está a política. Se tirarmos os cortes da equação, qual é a política deles? Eu respondo. Nenhuma. Eles não têm política nenhuma. Porque até a fazer cortes se pode fazer política. Por exemplo, cortar em tudo menos na educação. Até percebia. Mas fazem eles isso? Não, não fazem nem nunca farão. Porque eles acham, como me dizia há uns tempos alguém, que a educação pública é para aqueles que não têm dinheiro para pôr os filhos na privada.
É preciso estar-se muito alheado, viver numa bolha à prova de tudo para não se perceber que este governo está a destruir o país para muitos e longos anos. Tenho a certeza que um dia alguém ainda analisará este período e os chamará de traidores. E terá razão.




Pedro Marques @ 01:39

Dom, 25/11/12

Há um pássaro amarelo no meu olhar

Ele canta, mas não para mim

Vejo-o trinar

Mas não o ouço

Uma parede de vidro silencia-o.

 

Tenhos dois faróis no meu mundo

Iluminam-me, nas minhas trevas

Procuro a surpresa

Encontro a beleza

Num abraço eterno de vida e sol.

 

Ao meu lado um corpo de carne e ossos

Uma pessoa como eu

Tão perto tão longe

De mim, quanto eu

Agora, neste poema.

 

A memória do futuro afunda-se-me no cérebro
Revejo o passado, ele queima-me a pele

Dói-me o corpo do momento

Aqui e agora é tudo o que eu sei,

Num abraço eterno de vida e sol.


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Pedro Marques @ 20:56

Qui, 08/11/12

Eis-nos chegados ao mais baixo da indigência do país. A Merkel, a que manda em nós, a ponta do icebergue de iniquidades e incongruências em que se transformou a Europa, visita o país que sofre com a mais violenta onda de austeridade. Um país que se foi habituando a não ser nada. Um país que se foi habituando a não produzir nada, a viver à sombra de um Estado que subsidiava sem saber porquê nem para quê, um tecido industrial praticamente inexistente que foi vendido ao desbarato, desde as primeiras horas de entrada na então CEE, aos alemães, franceses e italianos. Um país que se especializou no trabalho não especializado, nas fábricas de automóveis e sapatos, na mão de obra barata que com o aparecimento em força do mercado chinês, demonstraram a estupidez da política seguida. Um país que desinvestiu na cultura e na educação, com medo do conhecimento, com medo de si próprio, um país que desistiu de si próprio.

E agora que já pouco resta, agora que o PSD-CDS ataca com toda a fúria o Estado Social, porque é muito caro, dizem eles, agora que fazemos, povo de Portugal? Digam lá! Esperamos pelas próximas eleições? Esperamos pelas próximas eleições, daqui a 3 anos para eleger o PS? É isto que queremos para o nosso país? Queremos empobrecer? Acreditamos realmente que andámos a viver acima das possibilidades, ou os sucessivos governos não souberam CRIAR uma verdadeira economia que sustentasse o Estado Social tal como nós o queremos ver?

O que queremos para o nosso país? O que queremos para a nossa sociedade, para os nossos filhos, para os nossos netos, para nós? Queremos acabar com a Segurança Social e com a saúde? Conseguiremos sair do buraco sem investimento público? É claro que não. É óbvio que não. Mas de uma coisa podem estar certos. Com o PSD-CDS, não haverá investimento público e com o PS, poderá haver investimento público, mas ele será controlado pelos boys todos que por lá pululam. Por isso, nas próximas eleições, não se esqueçam, tornem a votar nos mesmos.


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Pedro Marques @ 22:10

Dom, 12/08/12

Eu sei que não interessa para nada, mas atribuindo 3 pontos a cada medalha de ouro, 2 pontos à prata e 1 à de bronze, os países ficam assim alinhados:

 

1 - EUA - 225
2 - CHINA - 190
3 - RÚSSIA - 155
4 - GRÃ-BRETANHA - 123
5 - ALEMANHA - 85
6 - FRANÇA - 67
7 - JAPÃO - 66
8 - AUSTRÁLIA - 65
9 - COREIA DO SUL - 62
10 - ITÁLIA - 53
11 - HUNGRIA - 53




Pedro Marques @ 22:41

Ter, 05/06/12

Hoje/quase ontem faz um ano que o governo PSD/CDS ganhou as eleições e formou governo. Querem mais disto? Eu não. Estou farto do Passos Coelho. Já nem o consigo ouvir. Quando ele começa a falar na televisão naquele tom professoral, vagaroso e paternalista a dizer que vivemos muitos anos acima das nossas possibilidades começo a ter vómitos e não aguento. É demais. Quando o Ministro das Finanças, aquele Vítor Gaspar, que eu nunca tinha visto mais gordo, começa a falar ainda mais devagar que o primeiro-ministro a dizer que vivemos muitos anos acima das nossas possibilidades, tenho vómitos e começo a ficar com urticária. Não quero mais disto. Aliás, acho que está na hora de começarmos a pensar em fazer a revolução. Sim, ouviram bem. A revolução. Derrubar o governo pela força. Empurrá-lo. Cagar na troika, sair do Euro e da Europa, bastar-nos a nós próprios, com aquilo que sabemos fazer.

Estou farto de vigaristas, corruptos e políticos que nos dizem que vivemos acima das nossas possibilidades. Para que conste: EU NÃO VIVO ACIMA DAS MINHAS POSSIBILIDADES MEUS CABRÕES, NÃO VIVO NEM NUNCA VIVI. VOCÊS É QUE VIVERAM A COMPRAR OS VOSSOS CARROS TOPO DE GAMA E FORAM PARA AS VOSSAS FÉRIAS NAS ILHAS CAIMÃO E EM CUBA E NO CARALHO QUE VOS FODA! Por isso, desapareçam do governo do meu país, que eu me habituei a amar, apesar de tudo o que vocês lhe têm feito! Despareçam! Vão-se embora, ninguém vos quer meus corruptos, vendidos e todos os outros que participaram nos governos desde o início dos anos 90 e que ESSES SIM, viveram acima das suas possibilidades e endividaram o nosso país, com políticas suicidas. São eles os verdadeiros traidores da pátria e são eles os responsáveis pelo estado a que chegámos.

VÃO-SE EMBORA!




Pedro Marques @ 14:56

Qua, 15/02/12

Tem sido rotulado de génio, profeta, visionário, às vezes de excêntrico e outras vezes ignorado por ser um sonhador utópico, mas no fim de contas, independentemente do que digam, ele é Jacques Fresco (nascido em 1916).
O criador e mentor do Venus Project, um trabalho monumental de vários campos do conhecimento que unificam o conceito de um novo futuro para a civilização humana. Toda a vida de Fresco é, talvez, a definição de segunda oportunidade, uma nova hipótese de progresso social em harmonia com o nosso planeta e a tecnologia.
Sr. Fresco, pode descrever-nos de forma sucinta o que é o Venus Project?

O Venus Project é uma tentativa de trazer a paz ao mundo e juntar todas as nações. Se não quisermos guerra, mortes, a maior parte dos crimes, temos de redesenhar o modo como a sociedade funciona. Temos de declarar todos os recursos da terra como herança comum de todos os povos da terra. Depois temos de descartar o sistema monetário que é essencialmente corrupto. Depois disso temos de ultrapassar gradualmente a necessidade de termos fronteiras artificiais que separam as pessoas. E assim temos um mundo a trabalhar cooperativamente, preservando o ambiente e todas as manifestações de vida, tal como nós as conhecemos.

E qual é o aspecto mais importante deste projeto?

 
Uma economia baseada nos recursos que declara todos os recursos herança comum de todos os povos do mundo.

Pode explicar a diferença entre uma economia baseada no dinheiro e uma economia baseada nos recursos?

A economia baseada no dinheiro produz incentivos, mas também promove a corrupção, pagamentos a senadores, certas corporações compram senadores, nunca foi uma democracia. Nunca tivemos uma democracia. Nenhuma nação teve uma democracia. Se não há igual poder de compra, não se pode ter uma democracia.

Como é que o Venus Project se pode comparar com o comunismo?

O comunismo usa o dinheiro. Tem estratificações sociais. Tem bancos. Tem exércitos e marinhas. Prisões e polícias. Nós não temos nada disso.

Falemos sobre a sociedade, em muitas das suas comunicações o senhor tem dito que nós estamos condicionados a pensar de determinada maneira. Isto é verdade?

Se o senhor fosse educado pelos caçadores de cabeças do Amazonas desde criança, se nunca tivesse visto mais nada, seria um caçador de cabeças. Se tivesse nascido na Alemanha Nazi onde tu o que visse fosse “Heil Hitler, Deutschland Uber Alles”, seria alemão. Por isso, penso que todas as pessoas estão perfeitamente adaptadas ao sítio de onde são. Não há pessoas boas e más, és educado a odiar determinadas pessoas. Mas do sítio de onde elas vêm, isso é normal. Se fores educado no Sul, numa região sem educação, talvez te tornes membro do Klu Klux Klan, falas com um sotaque do Sul. De onde é que aprendeste isso? Do ambiente. De onde é que aprendes “Eu vou mazé pegar num preto e dar-lhe cabo do canastro”? Apanha-se isso do ambiente. Não se trata de as pessoas serem boas ou más, são educadas num ambiente anormal ou corrupto.

Acha que vivemos num mundo onde a comunicação é deficiente, onde às vezes ela restringe a linguagem, e a expressão de emoções e pensamentos. Isto é correto?

Sim. A nossa linguagem tem centenas de anos de idade. Isto torna extremamente difícil falarmos uns com os outros. Falamos uns para os outros. Isto quer dizer que uma pessoa às vezes diz “Tenha um bom fim-de-semana.” Por que é que não diz, “Tenha uma boa vida.” Porquê só fim-de-semana? Porque a nossa linguagem é tão antiga que se tornou automática e não tem significado. Tem de haver uma linguagem que não seja sujeita a interpretação. Quando lê a Bíblia, o senhor diz, “Jesus queria dizer isto,” outro diz, “Não, ele queria dizer aquilo,” aqueloutro diz, “Não, queria dizer isto,” depois temos os luteranos, os adventistas do sétimo dia, porque está sujeita a interpretações. A linguagem não é sujeita a interpretações: matemática, engenharia, química, física, engenharia estrutural, não estão sujeitas a interpretação. Não se conseguia construir uma ponte. Se um engenheiro dissesse, “Acho que ele queria dizer isto,” e outro dissesse, “Não, ele queria dizer aquilo.” Por isso, é possível desenvolver uma linguagem que não esteja sujeita a interpretações.

E o que acha do termo democracia?

A democracia é uma vigarice. É uma palavra inventada para paralisar as pessoas. Para as fazer aceitar uma determinada instituição. Todas as instituições dizem: “nós somos livres.” Assim que ouvir falar em liberdade e democracia, tenha cuidado. Porque numa nação verdadeiramente livre ninguém tem de lhe dizer que é livre.

Ouvi dizer que o senhor disse que à medida que os sistemas de poder começarem a ruir eles tenderão a defender-se com o fascismo para preservarem o status quo. A situação que vivemos hoje em dia é assim?

Hoje em dia caminhamos na direção de um fascismo. Cortando nas liberdades, nas poucas liberdades que temos. Nunca tivemos liberdade total. Porque a palavra liberdade não tem significado. Quando um árabe entra no nosso país (EUA) com dez mulheres, nós dizemos, “Só pode trazer uma,” por isso é melhor não usar a palavra liberdade. É melhor dizer que há um certo tipo de comportamentos que permitimos na sociedade. É assim que é. Não usem a palavra liberdade.

O que acha da recente crise económica nos EUA e a recessão global? É uma lição a ser aprendida?

Não. Porque é preciso uma recessão, perda de empregos e perda de respeito pelos líderes eleitos. Quando isso acontece, temos mudanças sociais. A mudança social não vem do intelecto, vem do sofrimento das pessoas. E quanto mais as pessoas são dispensadas, mais respeito elas perdem pelos governos que existem e irão procurar uma nova direção. Se demasiadas pessoas procuram uma nova direção, os governos chamam o exército e a polícia para lidar com a sociedade. Isso chama-se fascismo.

 

Falemos de guerra e tecnologia. Em 1961, o Presidente Eisenhower dá-nos conselhos sobre os complexos militares. Era uma profecia que se está a cumprir agora?

Bem, eu diria que ele não levou isso suficientemente longe. Ele deveria ter explicado isso de diversas maneiras. Dizer apenas, “tenham cuidado com a indústria do armamento,” não chega. Porque as pessoas não sabem o que isso quer dizer exatamente.

Sim, mas nós vimos as imagens das Torres Gémeas a cair a 11 de Setembro, também vimos as bombas a rebentar nos países do Médio Oriente, como o Afeganistão, Iraque. O que acha disto? E qual é o seu entendimento sobre o futuro desta guerra?

Todos os sistemas se querem perpetuar. Nós não levamos a democracia a outros países. Nós vamos lá por causa dos recursos deles. Petróleo, metais, mão-de-obra barata. Nós levamos democracia. Nós tirámos esta terra aos índios. Roubámo-la. Depois de tirarmos a terra, tirámos o Novo México ao México e tirámos a Califórnia à Espanha. Depois de roubarmos toda a terra que precisávamos fizemos um cartaz a dizer “Não roubarás.” Todas as nações são corruptas. Todas. Não há nenhuma nação que saiba o suficiente sobre ecologia para lidar com os problemas. Todos os políticos são, essencialmente, homens ignorantes. Todos. Desde sempre na história. Os nossos problemas não são políticos. Eles seriam bons há cem anos atrás. Mas hoje em dia são técnicos. Transportes seguros, produção com abundância, tornar as coisas à disposição das pessoas sem o uso de dinheiro. Enquanto houver dinheiro, haverá corrupção, por muitos tratados que assinarmos, por muitas leis que fizermos. 90% das leis feitas pelo homem são irrelevantes. Nós não precisamos de leis. As pessoas precisam de acesso às necessidades que têm na vida. Quando isso acontece, elas não roubam.

Algumas pessoas dizem que a ambição, a violência, o ódio hão-de sempre existir. O que acha disto?

Não existe essa coisa chamada “natureza humana.” Se não ainda viveríamos em cavernas. Se a natureza humana não mudasse. É aprendida. Quando a tua mãe te diz, “és luterano”, não brincas com aquele rapaz “católico”. Por isso, os pais doutrinam os seus filhos, no futuro os pais serão educados a educar crianças. Temos de educar crianças, porque as crianças podem aprender qualquer coisa. Podem aprender geologia, física, química, mas nós damos-lhes lixo. Nós temos clubes do Rato Mickey nos EUA. Que vergonha! Temos crianças e lemos-lhes coisas do tipo a vaca faz “mu-mu”. Isto não são maneiras de educar as crianças.

Sabe que as pessoas não o irão ouvir. Porquê persistir nestes ideais?

Porque foram educados a não ouvir. Foram educados a: “Qual é o maior país do mundo?” – “EUA.” “Qual é... o país mais inventivo do mundo?” – “EUA.” Mas não nos dizem de onde veio a impressora. Todos os estrangeiros que vieram para este país, trouxeram consigo linguagem, religião, ideias, tecnologia, por isso devemos tanto... por exemplo, se não sabe, um árabe chamado Al-Jabr deu-nos a álgebra, o grande museu do Egipto há uns anos e uma biblioteca um vasto conhecimento sobre o mundo. Por isso devemos tanto a tantas nações... a separação das nações é perigosa, errada e um falhanço das nações para trabalharem em conjunto. É isso que é a guerra. A guerra é um fracasso absoluto de ultrapassar as diferenças entre nações. No futuro não haverá exército. Haverá pessoas que aprendem. Os soldados são máquinas de matar. Ensinamo-los a matar. E a outra nação ensina os seus soldados a matar. Aquilo que eu faria era ensinar os soldados. Mandá-los para a escola sem terem de pagar para aprenderem a serem solucionadores de problemas. Como ultrapassamos a diferença entre a Arábia Saudita e este país? Como ultrapassamos a diferença entre a Venezuela e outro país? É isso que é preciso. Ciência aplicada aos governos. Até agora temos opiniões de políticos que não sabem nada sobre ecologia, segurança, engenharia, aumento das médias agrícolas, são completamente incapazes. E o futuro olhará para trás, as crianças do futuro dirão, “Mas não viam que o sistema monetário corrompia as pessoas com dinheiro? Não viam o que era óbvio?” E nós diremos, “não, nós éramos educados assim, não sabíamos distinguir as coisas”. As crianças não irão perceber isso no futuro.

 

Entrevista retirada de Russia Today. Fevereiro de 2010.




Pedro Marques @ 12:54

Seg, 06/02/12

A INTERNACIONAL SITUACIONISTA E FRANK ZAPPA

O escritor que falou mais recentemente sobre o assunto da Internacional Situacionista, em relação com a música rock, foi Greil Marcus na sua arqueologia do substrato situacionista do punk – Lipstick Traces. Marcus analisa cuidadosamente as ideias conflituosas dos surrealistas, letristas e situacionistas com um tom de maravilha jovial, não recorrendo nunca à opinião ou à polémica. Ele encontra maneira de tornar estas agressivas e eletrizantes ideias espinhosas – como só um americano o podia fazer – (desenvolvidas de modo concreto, tal como Adorno descreveu a arte moderna – “desagradável no sentido de bem de consumo”) em pequenas migalhas douradas de consumo. É uma boa leitura. Apesar deste regresso, que se reflete no uso da palavra “situacionista” por toda a imprensa rock, a teoria foi originalmente explosiva e estruturava uma crítica que falava de arte e política num só fôlego. Não foi só o punk e Attali – todas as melhores ideias da crítica cultural da nova história de arte (Tim Clark era membro da ala britânica) até à literatura de vanguarda (Jeremy Prynne, Iain Sinclair), foram abandonadas pelas suas teses (só os excrementos de camelo têm mais aplicações). Uma indicação poderosa de que só os conceitos marxistas são capazes de transportar o bacilo da revolução.

No vácuo aberto pelo momento revolucionário do Maio de 1968, a IS não vingou porque fosse extremista, niilista e fria (embora o fosse), ou porque os membros escrevessem palavras de ordem nas gravatas (embora o fizessem), mas porque fazia uma análise marxista que não tinha qualquer relação com o stalinismo tanto do Partido Comunista como dos maoístas. Isto é esquecido. Não conseguiu influenciar os trabalhadores grevistas e os estudantes ocupantes e afastá-los da liderança do PC e da esquerda reformista, que começaram a devolver a revolução a De Gaulle e à polícia de choque. Não aprendeu de Lenine a necessidade de construir um partido revolucionário enraizado na classe trabalhadora: falhou. E isto também é esquecido.
Contudo, ao contrário dos tristes grupinhos de “seguidores situacionistas” que deixam críticas azedas contra tudo a apodrecer em várias livrarias de esquerda, os IS não eram anarquistas ou indivíduos românticos. Eles compreendiam a natureza do estado e a importância dos concelhos de trabalhadores; tinham uma visão realista do equilíbrio das forças de classe. Ao contrário de Sartre, viam através do terceiro mundismo de Fidel Castro e Mao; ao contrário das Brigadas Vermelhas opunham-se ao terrorismo porque não conduzia à atividade de massas; ao contrário do Partido Comunista viram a necessidade de uma especial unidade entre trabalhadores e estudantes. Por isso, as opiniões deles sobre Zappa merecem ser registadas. Em 1967, Raoul Vaneigem dizia o seguinte:

A única maneira de fazer um breve afloramento estético é atentarmos momentaneamente no espetáculo da decomposição artística: David Hockney, Frank Zappa, Andy Warhol, Arte Pop e Reggae podem ser comprados aleatoriamente em cadeias de lojas. Falar de um trabalho artístico duradouro, seria como dissertar sobre os valores eternos do petróleo.


A ideia do trabalho artístico “duradouro” revela um esteticismo incaracterístico, embora o modo como o livro de Vaneigem se deixa enfeitiçar por encantamentos puristas – repetidos ad nauseam – mostre realmente uma tendência idealista. A lista de nomes exibe a crueza da ênfase que a IS dá ao consumo (uma crueza que o pós-modernismo repete, apesar de possuir uma visão diferente). O crescimento dos anos 50 foi duro para os revolucionários: o capitalismo parecia dar tudo o que prometera. A crítica situacionista ao consumo – palavras de ordem que afirmavam que qualquer coisa que pudesse ser comprada não valia a pena, a completa aversão ao mundo mediático das famílias felizes – era um adeus definitivamente irónico aos anos 50, que depois seriam muito espoliados: desde as revistas de arte “radicais” como a Re/Search até à Igreja do Subgénio, os Devo e a auto-publicidade (o chique retrógrado dos anos 50 nos recentes anúncios de Brylcreem, por exemplo). Em Lancaster, na Califórnia, Captain Beefheart e Frank Zappa também esboçavam contra-medidas ao mundo conformista dos anúncios do pós-guerra.
Contudo, embora a crítica ao consumo signifique que mesmo uma economia em alta não nos deixa contentes, também significa que o alvo é sempre o mesmo. O cinismo de Vaneigem torna-se banal e intermitente. A possibilidade de se comprar reggae nas lojas não é aleatória, depende de uma variedade de factores: o grau de racismo na indústria discográfica, a presença de índios do oeste indígenas na área, o seu moral, o alcance da sua cultura e por aí adiante. Ao rejeitar o reggae e Andy Warhol, Vaneigem esquece que a música também pode ser o sangue da comunidade, a transmissão de notícias, conforto, fonte de força e resistência. Claro, a única maneira de distinguir entre consumidores diferentes é olhar para a sua relação com os meios de produção, o que significa olhar para eles como trabalhadores e não como consumidores. A IS só desenvolveu tal foco na classe trabalhadora depois da greve geral de 1968 ter começado. Apesar das suas muito-elogiadas “confraternizações” (partilhar uma garrafa de vinho com alguns grevistas à frente de um fotógrafo), era então muito tarde para as ideias revolucionárias da IS influenciarem o curso da luta.
O anti-consumismo de Vaneigem é, não obstante, preferível à celebração pós-modernista da “multiplicidade do baralha e torna a dar” do mercado, que de alguma maneira esquece a solvibilidade necessária para entrar no novo jardim do Éden. A IS gostava de fomentar o brilho especial que o capitalismo precisa para competir no mercado e depois concluir que se pode conseguir isso sem comprar nada. Como estratégia é bom, para pessoas envolvidas na criação de imagens de publicidade, confia no crescimento económico rápido, onde pode passar por corrente subversiva. Do mesmo modo, o punk achou que podia tomar momentaneamente a dianteira no ajustamento que o negócio do rock do final dos anos 70 conheceu, ao pegar fogo às figuras de palha do idealismo dos anos 60. Mas tanto a IS como o punk confiam na onda necessária ao desenvolvimento do capitalismo. Enquanto a explosão do rock dos anos 60 se estilhaçava no rock corporativo e disco dos anos 70 e o punk no domínio da inanidade MTV dos anos 80, parece que não se trata do simples assunto de encher as lojas com “substitutos” da revolução. Numa recessão, a retórica da IS parece desesperadamente deslocada: a verdadeira ameaça é o consumo em torrente sem quaisquer respostas críticas. Não há espaço para a crítica se expressar.

Vaneigem ataca o inimigo que conhece: os fornecedores de arte elevada que comercializam a vanguarda, arte que é precisamente projetada para resistir a tal mercado. Os anos 50 e 60 foram testemunhas de uma torrente herege de ideias anti-arte, da qual as artes visuais ainda não recuperaram. Dessas ideias hereges, a IS era a mais pura, a mais violenta, a mais engraçada e a melhor. Elevaram a um  novo nível a crença de Adorno no impermutável.

Enquanto que no mundo real todos os particulares são fungosos, a arte protesta contra esses fungos ao pegar em imagens daquilo que a realidade devia ser se se emancipasse das normas de identificação impostas. Pelo mesmo princípio, a arte – a imago do impermutável – tende para a ideologia porque nos faz acreditar que há coisas no mundo real que não são para troca. No interesse do impermutável, a arte deve criar uma consciência crítica em relação ao mundo das coisas permutáveis.


Contudo, tal como os julgamentos de Adorno em relação à música radiofónica, a IS falou a partir da posição de arte elevada burguesa: só via o mercado de massas como degradação da singularidade do objeto artístico, vilipendiando implacavelmente os artistas que espalhavam produtos degradantes. Tornou-se um comité internacional cão-de-guarda, prevenindo o aproveitamento económico da anti-arte: se alguém em Roma estivesse a vender telas a metro como crítica à maneira como os expressionistas abstratos transformavam o “sofrimento” em dinheiro, a IS demoveria qualquer pessoa que tentasse fazer a mesma proeza noutro lado qualquer. Tais ideias subversivas têm uma enorme ressonância porque a ideia de arte irradia sempre o todo da sociedade, mas sem consciência de classe começam a reproduzir um desdém aristocrático pelo mercado – “Compraste numa loja? Oh, que coisa horrível.” A ideia da IS denunciar um “rasta” por ter comprado um disco de Big Youth é manifestamente absurda.
As ideias de Adorno funcionam melhor em estreita associação dialética com as de Walter Benjamin. Juntamente com a insistência de Adorno de que o trabalho artístico não pode abraçar o mercado e sobreviver, precisamos da visão de Benjamin e do novo materialismo no público de massas, que já não é mitificada pela singularidade do trabalho artístico, a “aura” (em si mesma uma versão secular do mistério religioso): o público de filmes de terror fala tecnicamente de como a tensão é criada; as considerações práticas sobre a profundidade do som grave num altifalante de doze polegadas ou num cd caseiro. Ao juntar Zappa, reggae, Warhol e Hockney que meramente conduzem “o espetáculo da decomposição”, Vaneigem ecoa Adorno ao mais alto nível, alheado do modo como a luta de classes se manifesta na música: da arena comercial como campo de batalha, uma guerra agitada por músicos, companhias discográficas e público sobre o dinheiro e o valor-prático. Essa merda tem groove? É uma pergunta materialista nunca formulada por nenhum dos tediosos debates sobre Morrisey ou Madonna como ícones do pop. Para aborrecimento dos jornalistas pop que reduzem tudo à sua conversa moralista, há valor-prático na música. Vaneigem fica tão ofendido com o espetáculo que para ele é tudo merda comercial, um monte de mercadorias sem sentido, oposto às suas rretóricas epetitivas da “vida vivida” e da “imaginação que tudo conquista”. Tais frases tornam-se meros encantamentos puristas do intruso profissional. Vaneigem falha a compreensão de que um disco de James Brown é uma coisa pessoal.
É um pouco como o argumento do pós-modernismo. Ao se opor ao regresso às velhas formas da música clássica – orquestras sinfónicas, tonalidade – o modernista é acusado de inconsistência ao gostar, por exemplo, de David Murray e da sua síntese de free jazz e swing em 1980. De facto, a acusação de inconsistência é originária de um idealismo similar ao de Vaneigem: pensar em abstrações que obscurecem factos sociais. O retorno à tonalidade na música clássica foi projetado para fazer recuar as descobertas feitas em Darmstadt nos anos 50 e 60, descobertas que não podiam ser discutidas por análises musicais escolásticas (daí o prestígio de Stockhausen, Boulez e Berio na academia) mas que alienavam os consumidores (sala vazias). Contudo, grande parte do argumento para tornar a música “mais acessível” é baseada num populismo demagógico (“multiculturalismo versus elitismo serialista”) que, de facto é favorecido pelo uso que a classe média faz da música clássica – cimento fortalecedor da identidade social, um sonho da ordem aristocrática tardia e do primitivo heroísmo burguês que só agora pode ser reavaliado como “kitsch”. A nova tonalidade adopta o irracionalismo em vez de enfrentar as consequências da forma (o que explica o reencontrado respeito pela religião por parte dos seus aderentes).
A análise material, por outro lado, não julga a arte por oposição a abstrações imutáveis, relaciona a arte com o seu papel histórico. O blues, o ragtime e o swing são invenções de pessoas oprimidas, formas adversas da mestria burguesa. A verdade da música pode estar em estreita ligação com a manutenção de especificidades étnicas que lutam contra a homogeneização académica e comercial e não seguir uma necessária evolução. Julgamentos abstratos sobre os “avanços” e os “recuos” (por exemplo, condenar John Lee Hooker de ser reacionário por ainda tocar blues) são inapropriados. O uso que o músico negro faz do blues não é o mesmo que um músico clássico faz da sonata. Da mesma maneira que falar das “raízes” de um compositor branco europeu, adoptando o calão nacionalista negro, contém uma corrupção racista (mesmo se o próprio W.E.B. Du Bois tenha tirado a sua ideia de orgulho negro das tradições filosóficas alemãs que alimentaram a teoria racial). Como Lenine mostrava na sua discussão sobre nacionalismo, uma ideia pode ter diferentes consequências políticas, dependendo do papel global (imperialista ou colonizado) da nação em questão. A crítica idealista, que julga as coisas de acordo com uma disposição neutra de ideias abstratas (ex. “consumo” versus “não consumo”), provoca normalmente asneiras desastrosas.
O sucesso do feminismo nos estudos culturais tem conduzido aos termos “sexista” e “não sexista” substituindo as categorias morais de “melhoramento” ou “corrupção” usadas tradicionalmente por Matthew Arnold e F.R.Leavis. Isto parece basear-se em distinções estéticas em vez de conceitos morais. Contudo, quando usado fora de uma compreensão concreta da forma musical, os termos constroem meramente um outro idealismo, suscetível – como todos os idealismos – de contradições gritantes. Quando Chris Blackford deseja aplaudir os Van Der Graaf Generator na publicação musical radical Rubberneck, ele argumenta que a voz de primeira classe de Peter Hammill é “imaculada de uma misoginia derivada dos blues”. Susan McClary, por outro lado, diz que “não há equivalentes brancos de Bessie Smith ou Aretha Franklin – mulheres que cantam poderosamente o espiritual e o erótico sem a estrutura misógina e punitiva da cultura europeia. “Tanto Blackford como McClary justificam os gostos com referências a um sistema moral que transcende tanto a arte como a sociedade com que lidam; e contradizem-se completamente. Apesar dos dois serem membros do campo “anti-sexista”, o típico desprezo “anti-rockeiro” dos ingleses e de Blackford pelos blues entra em contradição com McClary que escreve na América, onde os estudos sobre negros forçaram a um certo respeito crítico pela forma.

As dialéticas negativas, por outro lado, veem as formas como matérias sedimentadas: “analisá-las é o mesmo que nos tornarmos conscientes da história inerente armazenada nelas.” Em vez de reduzir os trabalhos artísticos a meros exemplos de ideias abstratas, traça a sua proveniência material. Claro, isto significa que o “julgamento” crítico deve, em última instância, relacionar-se com uma visão política global, uma ligação que é anátema do liberalismo, onde só um compromisso para com certas “ideias” pré-selecionadas separa os condenados dos livres. O suporte político da luta da emancipação negra nos E.U. da América significa que o uso de rags por músicos de vanguarda como David Murray ou Henry Threadgill ou Buell Neidlinger é visto como solidariedade social em vez de afastamento das instituições antiquadas (e no caso do neo-conservadorismo de Wynton Marsalis, talvez não – estas coisas só podem ser resolvidas pelo ouvido).
Vaneigem coloca uma abstração – a condenação do consumo – perante o contexto social onde ocorrem as coisas. Ele parece completamente alheado da necessidade de arranjar um bom disco para a festa de sábado à noite. Longe de ser consumido “aleatoriamente” em cadeias de lojas, a presença de Zappa no mercado tem sido uma luta, um empreendimento épico. Embora Zappa tenha começado como compositor autodidata com experiência em composição serial, a sua decisão de “obter público” não envolveu a supressão da lógica do seu material, por algo que agradaria aos ouvintes da classe-média. Ele também queria “matar a ignóbil rádio”, desafiar a anemia pop com R&B. Apesar das contenções da teoria pós-modernista, o antagonismo de classe ainda persiste. Não há nenhuma música que passe fluentemente do “simples” ao “complexo”: as diferentes formas musicais têm dinâmicas próprias. Zappa vislumbrou o seu caminho ao usar o materialismo do público em massa, a sua fome por novos efeitos e choque; uma maneira de subordinar essa dinâmica a um compromisso vanguardista dos novos sons.




Pedro Marques @ 20:24

Dom, 29/01/12

PORQUÊ JACQUES ATTALI (UM POUCO)

 

A avaliação que Zappa faz da indústria discográfica – um negócio para obter lucros – mostra que não tem ilusões com as loucuras e modas da imprensa rock. A sua única razão de existência é a manutenção de uma conjuntura que dê significado à compra de discos. Jacques Attali falou da necessidade que a indústria discográfica tem de gastar dinheiro a estimular a procura: assim o efeito da produção em massa (o seu termo é “repetição”) diminui precisamente o momento único pelo qual a música deve ser avaliada (aquilo que ele chama “ritual”).

 

Vista como bem de consumo e objecto de culto e fetiche, a música ilustra toda a nossa sociedade: des-ritualiza uma forma social, reprime uma atividade corporal, especializa a prática, vende-a como espetáculo, generaliza o consumo e depois certifica-se de que está armazenada até perder o significado.1

 

Apesar de Attali pretender fazer novidade disto, trata-se de teoria marxista. Attali regista o impacto do sistema de mercado na cultura. Walter Benjamin desenvolveu um pensamento parecido ao afirmar que a produção em massa destrói a “aura” do trabalho artístico. Contudo, ao contrário de Attali, Benjamin não diz que se “substitui” a Marx, uma pretensão que Attali pôs em ação mais tarde ao envolver-se com a catastrófica associação socialista de François Miterrand que atacava o padrão de vida da classe trabalhadora francesa – que levou à subida da Frente Nacional de Le Pen.

Seja como for, a fórmula de Attali é útil. Zappa dedica uma atenção especial a estes temas, fetichização de primeira classe (“Penguin in Bondage”), ritual vazio (“Bogus Pomp”), funções corporais (“Why Does It Hurt When I Pee?”), mundo do espetáculo (Thing-Fish), produção em massa (“A Little Green Rosetta”), perda de significado através da repetição (“Teen-age Wind”). Os “extremismos” grotescos de Zappa não são mais que uma resposta a um sistema de mercado que trata as pessoas como coisas, usando todo o vocabulário das raças e da escravatura que a experiência americana proporciona.

O uso do termo “espetáculo” é a chave da energia do conceito de Attali: ele é, evidentemente, um descendente de 1968 que não abdicou dos panfletos situacionistas. O espetáculo era tanto uma ferramenta analítica da Internacional Situacionista como o inimigo: a soma total da vida e dos meios de comunicação – TV, rádio, revistas, políticas, espetáculos de rock, religião – que vivem a vida por ti. Ao criticar o modo como os chamados “Subversivos” de sucesso (surrealistas, arquitetos socialistas, realizadores “marxistas”, pintores-rebeldes) meramente contribuíram para o espetáculo, gozando de recompensas de fama e dinheiro à medida que substituíam a criatividade diária das pessoas pelas suas proezas, a IS desenvolvia estratégias que se assemelhavam a políticas revolucionárias: apoiando greves não oficiais, perpetrando protestos contra a religião e a guerra que resultavam em ações e não em aplausos. Extraída de qualquer marxismo não estalinizado que encontrava (que incluía a versão de Herbert Marcuse e Henri Lefebvre de um Freud de esquerda), a IS desenvolveu uma retórica cultural que tem informado (e/ou antecipado) desde aí todos os desenvolvimentos artísticos. Contudo, deixar-se ser surpreendido e achar que os conceitos de Attali terão sido “respondidos” pela aparição do punk rock, é ingénuo – Jacques Attali e Malcolm McLaren usavam ambos ideias situacionistas, mas ao nível académico e do rock ‘n’ roll respectivamente (embora tais divisões – ou especializações – constituam traições ao saber situacionista). Os temas de Attali e do punk também são os de Zappa, porque lidam com o que o capitalismo faz às pessoas, o horror de seres humanos escravizados à acumulação de coisas: escravidão sexual, corpos, máquinas, fetichismo de bens de consumo, produto, morte, investimento em atrocidades libidinosas – aquilo que Attali teoriza como sacrifício: a violência reprimida ou o crime calado que garante o social.

(1) Jacques Attali, Noise, 1977.



Pedro Marques @ 15:41

Sab, 28/01/12

OU, ENTRE QUALQUER TIPO DE ARTE?

Numa entrevista à Telos, a revista trimestral americana da escola marxista de Frankfurt, perguntaram a Zappa se fazia alguma distinção entre arte superior e arte inferior. Ele devolveu a pergunta: “Ou, entre qualquer tipo de arte?”[1]

Esbater a distinção entre arte e vida tem sido uma atividade americana desde Walt Whitman, pelo menos, que exprimia o seu mal-estar com um honroso, embora insuflado, estatuto que era concedido à arte da sociedade desse tempo. Isto explica a aparente contraditória combinação de disciplina e acaso na música de Zappa. “Esta gravação tem de ficar com todas as notas certas”,[2] juntamente com o “Que se foda”.[3] O acaso assinala a entrada do real no projeto. Tal como um surrealista que retrata a Europa devastada antes do começo da Segunda Guerra Mundial,[4] Zappa mistura elementos do mundo real de tal forma que a sua arte se torna microcósmica. Analisa a substância das coisas muito mais profundamente do que a informação real do mundo, o seu passado e o seu futuro. Desde James Joyce que ninguém tentava demolir as barreiras entre arte e vida com um fervor tão produtivo.

Ao falar de arte levantamos a questão da sua definição. Para os marxistas, a arte é o estádio a meio-caminho da burguesia – a meio caminho entre a pompa religiosa do feudalismo e a permanente recriação da vida quotidiana que caracterizaria a sociedade pós-bens-de-consumo. Antes do aparecimento da classe burguesa, os trabalhos artísticos – histórias de aventuras, ocasionais retratos, partituras para alaúde e viola de gamba – não eram investidos com o significado pessoal dado à arte pelos românticos. Se se tivesse incertezas metafísicas, ansiedade sobre o lugar da alma no esquema cósmico das coisas, consultava-se um especialista: o padre. A religião detinha o monopólio dessa faculdade, classificando e castigando como heresia as referências diretas à Bíblia (ou a Deus). Em 1789, a revolução francesa mostrou como a religião apoiou a velha ordem: na fase revolucionária, a burguesia não queria nenhuma das velhas hierarquias do feudalismo e da fé. Ela exigia uma imagem racional do mundo. Quem sondaria agora as profundezas da alma, quem mediria o pulsar de uma vida “interior”? Os poetas e os pintores deram um passo em frente.

A arte foi o substituto da religião, um repositório de valores mais “elevados” que aqueles de fazer dinheiro. As implicações reacionárias deste tipo de idealismo podem ser percebidas (de forma desviada) pelo tom triunfante do senador Paula Hawkins quando, no Senado, fez uma pergunta a Zappa sobre lucros.

 

PH: O senhor obtém lucros com estes discos de rock?

FZ: Sim.

PH: Obrigado. Acho que esta declaração já diz qualquer coisa ao Comité.[5]

 

Ao mesmo tempo que a indústria discográfica se deixa censurar, em troca de legislação que reúne dinheiro ao criar um imposto para determinadas gravações, um artista que diz que tem lucro é crucificado. A mesma declaração que devia alinhar Zappa com os interesses económicos da classe dirigente americana é apresentada como prova da sua inutilidade como artista e a sua falência moral como cidadão.

Tais declarações são parecidas com as condenações da esquerda, porque também ela moraliza contra a obrigação de fazer lucros. As estéticas de esquerda sofreram um grande revés desde os dias em que Leon Trótski se correspondia com André Breton sobre as implicações revolucionárias do surrealismo. As dialéticas negativas das habilidades do caniche não têm tempo para as assim chamadas críticas de arte marxistas que meramente completam as altas pretensões da burguesia liberal. Gostar de arte sob o capitalismo é o mesmo que nos divertirmos com a contradição; a outra opção é passar a vida a ler livros de Percy Shelley. Para escárnio dos que impedem a combinação que fazemos entre políticas leninistas e a zappologia, as dialéticas negativas reafirmam um ponto: a arte de Zappa, embora necessariamente colada a uma crença pequeno-burguesa das indústrias caseiras, faz parte de um protesto contra as divisões da sociedade capitalista tanto quanto a música de Charlie Parker ou Kurt Weill. Os que reduzem o marximo a moralidade – um conjunto de palavras-chave que nos separam do resto – arruinaram as dialéticas e impediram qualquer compreensão da indústria cultural. São os mesmos avarentos que disseram que a esquerda devia ignorar o punk. A arte não é simplesmente a representação de aspirações que serão julgadas pelas sua validade. É em si mesma um processo material. Isto cria problemas à ideia de arte como repositório dos chamados valores não-materiais “elevados”. Durante o século dezanove, o próprio desenvolvimento técnico atirou essa ideia para uma crise. À medida que os românticos espremiam cada vez mais expressão pessoal das velhas formas – cromatismo e dissonância na música, simbolismo na poesia, pinturas sobre pintura – alargavam o alcance de conhecimentos artísticos, mas perdiam público. Nas décadas 10 e 20 do século XX o modernismo artístico pressagiou uma nova era na qual não era exigida representação porque a humanidade estava ativamente a construir o mundo – a promessa da revolução russa. Branco em Branco de Casemir Malevich era um objeto no meio do próprio mundo e não uma janela do mundo que ficava para além do antagonismo entre o eu e a sociedade. A sociedade era agora a galeria onde a arte devia operar. À medida que as vitórias da revolução de 1917 recuavam, tais recusas de divisão da sociedade capitalista passaram a não ser bem vindas. No Ocidente, a distância entre trabalhos artísticos modernos e a vida da maioria da população era exibida como evidência da estupidificação massiva; sob o comunismo eram completamente banidos.

A contra-revolução de Estaline suprimiu o poder aos trabalhadores em nome da ideologia “socialista” e instituiu o socialismo realista, um retorno às formas do século dezanove, com uma cláusula para contentamento. O modernismo tornou-se a má consciência do regime. Ao mesmo tempo que Estaline limpava todo o pessoal do comité central bolchevique e os artistas abstratos eram perseguidos e confinados a asilos para loucos.

Sem surpresa, os Estados Unidos viram que podiam promover a arte abstrata em nome da liberdade e empreendimento. Quando Jasper Johns exibiu bandeiras americanas em galerias de arte, um gesto patriótico que não podia ter sido feito mais estrepitosamente, a ação foi explicada por Clement Greenberg como sendo um passo em frente na misteriosa discussão da insipidez da pintura plana, uma dialética que pretendia ignorar todas as políticas da guerra fria. A retrospectiva de Jasper Johns na Galeria Hayward em Londres, em 1991 – no pico da Guerra do Golfo – foi financiada pela Texaco, uma das empresas de petróleo americanas cujos lucros eram ameaçados pela anexação do Kuwait por Saddam Hussein. Tais observações políticas, que desafiam o estatuto de transcendência da arte na sociedade, excedem a composição da ideologia artística americana – incluindo a do pós-modernismo. A observação de Zappa “ou, entre qualquer arte?”, também serve para o libertar de tais obscurantismos. A necessidade de haver negociantes que promovam novas ondas de artistas, a insatisfação dos artistas com o sistema de mercado que não oferecia as promessas do modernismo, levaram à “obsoletização” instantânea que caracteriza os estilos artísticos ocidentais do pós-guerra. A arte tornou-se zona esquizofrénica perigosa, uma mixórdia contraditória de retro-religião, recusa vanguardista. À medida que os comentadores tentavam ver na arte o humanismo de “equilíbrio” de um sistema, conduzido à racionalização do lucro, isso desvanecia-se à frente dos seus olhos com os arcaicos fetiches religiosos (T. S. Elliot, Bob Dylan, Arvo Pärt) ou os criptogramas auto-mutiladores do modernismo (Samuel Beckett, John Cage, Joseph Beuys). Ao manter a sua fé no modernismo e ao reconhecer a incapacidade da arte para transmitir a sua mensagem numa cultura de bens de consumo, os artistas viram-se envolvidos num paradoxo permanente, numa guerrilha de subterfúgios e recusas. Daí a preferência das instituições culturais pelos clássicos produzidos durante a fase heroica da burguesia: Shakespeare, Beethoven, Rembrandt. Reciclar os velhos serve para esconder o preocupante facto de que a sociedade capitalista moderna só produz verdadeira arte quando exalta falhas sociais, resultando numa obsessão com o passado que o modernismo, com o seu consumo filtrado de uma cultura de massas, sob o nome de arte, pouco fez para atenuar.

A busca do modernismo em Zappa é intuitiva em vez de teórica, mantendo a afirmação de que a música e a arte são filosofias concretas – um pensamento sobre o mundo sensualmente globalizante. Them or Us (The Book), a sua resposta às questões de continuidade conceptual, contém uma objeção no prefácio.

 

Este reles livro, feito em casa, foi preparado para as pessoas que já gostam da música de Zappa se divertirem. Não é para intelectuais e outras pessoas moribundas.

 

Alguns fanáticos tomam esta hostilidade para com o pensamento sistematizado como pré-requisito para compreender Zappa, o que transformaria um projeto como o presente livro numa obtusidade. Quando comparado com o filistinismo das classes “educadas”, isto é deveras tentador. Contudo, deixa os guardiães da cultura elevada fora de cena, permitindo-os ignorar Zappa como excêntrico do rock de culto. De facto, Zappa tem uma consciência do papel histórico da arte e uma visão do seu lugar nela, tão claras como materialistas.

Há muito que Zappa declarava interesse pelas possibilidades da música clássica. Depois de descobrir a existência de um compositor do século dezoito chamado Francesco Zappa, lançou um disco chamado Francesco, a partir das partituras do Zappa do século dezoito realizadas no computador. Contudo, ele não tinha dúvidas de que o barroco representava uma época de ouro da criatividade musical. Como David Ocker observou na sua nota do folheto do disco, o trabalho do Zappa do séc. XVIII era “dar ao serrote enquanto os nobres jantavam”.

Zappa desenvolveu o assunto no The Real Frank Zappa Book:

 

As normas praticadas nos velhos tempos começaram a ser usadas porque os tipos que pagavam as contas queriam que as “melodias” que compravam “soassem de certa maneira”.

O Rei dizia: “Corto-te a cabeça se não soar assim.” O Papa dizia: “Arranco-te as unhas se não soar assim.” O Duque, ou outra pessoa qualquer, talvez tenha dito de outra maneira – mas é o mesmo hoje. “A tua canção não passa na rádio se não soar assim.” As pessoas que pensam que a música clássica é de alguma maneira mais elevada que a música radiofónica, deviam dar uma olhadela às formas envolvidas – e a quem paga as contas.

 

O uso que Zappa faz das partituras musicais não tem nada em comum com os sonhos da pequena burguesia da harmonia pré-industrial, base do consumo de música clássica no século vinte (e do rock neoclássico, de Meat Loaf a Michael Nyman).

Em sintonia com outras figuras da tradição “inventiva” americana – Buckminster Fuller, Charles Ives, Harry Partch, John Cage – as ideias de Zappa têm um toque excêntrico e caseiro, mas por causa da sua atenção a factos que lhe dizem respeito (e a sua impaciência com as justificações liberais), as visões são encorajadas por filosofias radicais e artistas vanguardistas que operam em circunstâncias diferentes. De Sade e Wyndham Lewis traçaram trajetórias paralelas.

O que se segue examina as mais recentes manifestações de tais ideias em Jacques Attali e na Internacional Situacionista, contudo só mesmo Marx e Freud (e o modo como as suas ideias foram aplicadas à música por Theodor Adorno) são capazes de medir a ferocidade dizimadora da arte de Zappa.


[1] Telos, Primavera 1991, No. 87, entrevista com Florindo Volpacchio, pp. 124-36. Obrigado a Matthew Caygill por me falar disto.

[2] Frank Zappa, preâmbulo de “Bebop Tango (of the Old Jazzmen’s Church)”, Roxy & Elsewhere.

[3] Nota de Frank Zappa, “The Sheik Yerbouti Tango”, Sheik Yerbouti, 1979. Elevado agora ao estatuto de filosofia menor numa entrevista recente: Zappa! (um suplemnto dos editores de Keyboard e Guitar Player), ed. Don Menn, 1992, p. 64. Aqui é expresso como uma combinação de “quando” e “que se foda” (onde “quando” pode ser interpretado como as “notas certas”).

[4] Max Ernst, Europa Depois da Chuva, 1933.

[5] Audiência no Senado sobre “pornografia no rock”, 1985.




Pedro Marques @ 20:01

Sex, 27/01/12

A sirene primaveril da canção transgressora –

Levemo-la na sua incandescente cera

Saturada de cambiantes

Dos quais somos herdeiros

Hart Crane[1]

 

 

PORQUÊ MARX, PORQUÊ FREUD

 

Estes escritos, publicados sob o pseudónimo Out to Lunch [2], têm origem em vários periódicos de vanguarda do início dos anos 80. O trabalho de Frank Zappa servia para analisar e ao mesmo tempo denegrir as conquistas da literatura Ocidental, desde os românticos até Henry James, um método que se chamava as dialéticas negativas das habilidades do caniche. Embora escrito de um modo que atraía mais facilmente os literati que os fanáticos do rock, o parágrafo de abertura – “Frank Zappa: As Dialéticas Negativas das Habilidades do Caniche, Parte Um" – ainda resume, para mim, as alegrias e horrores de analisar Zappa e a sua arte.

 

Ao escrever sobre Zappa comprometer-me-ei com determinadas relações da engrenagem da racionalidade aceite, não quero parecer impressionista ao escrever, nem fazer arte pela arte; a liberdade é sempre constrangida pela necessidade de termos de descer a montanha. Por outro lado, odeio a entediante e ruidosa preocupação do alpinista e as suas auto-justificações, quando a linguagem se torna apologética ela já é corrupta[3] e a linguagem dos zappólogos não é exceção. As descobertas dos zappógrafos não devem ser abandonadas a encarquilhar nas águas da religião para, como bengala, serem transformadas em ilusórios cestos coletores de moralidade forjada. Pelo contrário, as descobertas devem ser usadas para atenuar a auréola inflamada de ansiedade visceral que a reprovação espalha até aos nossos mais obscuros pontos de prazer. A aplicação direta deste unguento, contudo, só encrava o motor, tal como o cinto de segurança que encolheu e ficou mais pequeno.[4] À semelhança da psicanálise, o objetivo é notificar uma cura a partir de dentro e não construir uma cerca de constrangimentos morais. Mas, ao contrário das perversões domesticadas da psiquiatria, a zappografia não pensa regressar aos excessos do motor 2-4-6-8 universal de transmissão por cinto. Desembraiamos, porque tem de ser, atiramos todas as propulsoras intenções aos ventos e, se as peças começam a cair aos bocados, então é porque não valeu a pena consertá-la. Não é que vá evitar algum “risco” envolvido na escrita, pode-se sempre riscar coisas. Cada vez que um tema de Zappa prova a sua valia, percebemos, seja como for, que todo o processo desempenha um papel num microcosmos: dia a dia, o significado e a confiança recoagulam. É errado enfrentar as inevitáveis pressões que levam à justificação, mas isso não quer dizer que não cheguemos lá no fim, ou que não as tenhamos enfrentado antes. Eu prefiro entrar pelas traseiras e ocupar o inimigo por dentro. A estratégia mais primária reside em pegar nas irrelevâncias mais comuns, estruturas que não possuem nenhuma possibilidade de analogia – como os dentes. Mas antes dessa iluminação, a continuidade conceptual do caniche acena-nos. Irrelevância ainda mais comum, porque a sua confiança grosseira começa a assemelhar-se às percepções da caixa de velocidades no coração do motor.[5]

 

O original prosseguia, comparando “Cheepnis[6] de Zappa a “Kubla Khan” de Samuel Taylor Coleridge – mas de certeza que a generalidade dos leitores não lucraria nada com tal espécie de preâmbulo.[7]

Para além de se preocupar com Frank Zappa e os seus concertos, vídeos e discos, as dialéticas negativas das habilidades do caniche também lhe aplicam as visões de Karl Marx e Sigmund Freud. Embora tenham sido, supostamente, substituídos pelas escolas de pensamento pós-tudo,[8] as ideias de ambos continuam a brilhar ardentemente, talvez porque aquilo de que falavam – capitalismo e família – ainda estejam no meio de nós. Embora se diga muitas vezes incompatíveis, Marx e Freud partilham características fulcrais: materialismo, hostilidade em relação à religião, obstinada insistência na capacidade da razão humana para apoiar e mudar tanto o mundo como a mente. Ao seu jeito, não erudito, Zappa mantém uma similar crença na razão, recusa-se a permitir que as normas sociais comprometam uma visão de como as coisas podiam ser. Marx desejava fomentar a autoconsciência política da classe trabalhadora; a palavra de ordem de Freud, “o ego estará onde o impulso instintivo estiver,” mostra uma confiança na consciência que está muito longe do pessimismo de Nietzsche e dos seus herdeiros parisienses. Ao desembaraçarem-se dos mistérios e do inconsciente, Marx e Freud são frequentemente condenados pelos que defendem a ordem atual – mas para mim isto indica apenas uma não verdade no modo como as coisas são geridas, tais condenações não denigrem as suas teorias.

Se alguém envolvido na cultura de massas parece apontar para uma não verdade como as coisas são geridas, essa pessoa é Frank Zappa. Obstinado, irredutível, opositor, a sua música é uma disjunção contínua, um Dada permanente. As suas políticas explícitas – lealdade à unidade familiar e honestidade nos negócios mais pequenos – estão tão longe da psicanálise radical ou do marxismo quanto conseguirem imaginar, mas é precisamente porque ele não devolve tais preceitos filosóficos ao nível da representação que a sua música proporciona um malte convincente para o pensamento radical. Zappa produziu uma miscigenação de elementos altos e baixos que envergonham a retórica da arte pop e o pós-modernismo.

A crença de Zappa no conhecimento, que é um golpe à opressão, é ilustrada por este diálogo com um cristão born again durante uma audiência sobre “pornografia no rock” no Senado dos E.U. Poderão imaginar o sentimento das palavras pelo tremor incaracterístico da voz.

 

CRISTÃO: Algumas destas coisas não são relações sexuais normais.

FZ: Não quer dizer que tenhas de as fazer. A informação não te mata...

CRISTÃO: Elas são demasiado novas para saberem a diferença.

FZ: As crianças aprendem a ver as diferenças ao receberem informação que conseguem juntar e depois selecionar com a tua ajuda de pai. Se não as fizeres saber estas coisas, crescerão e serão ignorantes.

CRISTÃO: Gostava de os manter ignorantes de certas coisas. [Aplauso em massa.]

FZ: Uma pessoa que prefere que as crianças sejam ignorantes está a cometer um grande erro – porque nesse momento, elas podem ser vítimas.[9]

 

O colapso do comunismo na Europa de Leste levou à morte do estado socialista como ideologia viável para a classe média liberal. Enquanto o vácuo que isto criou é preenchido por uma nova panóplia de irracionalismos de uma nova era, o apelo de Zappa para a razão é tão raro como oportuno.



[1] Hart Crane, “For The Marriage of Faustus and Helen”, 1926, The Complete Poems and Selected Letters, ed. Brom Weber, 1966, p. 31. Tradução de P.M.

[2] Out To Lunch, “Frank Zappa: The Negative Dialectics of Poodle Play Part One’, A Vision Very Like Reality, ed. Peter Ackroyd, Ian Patterson, Nik Totton, Dezembro 1979; “Frank Zappa: The Negative Dialectics of Poodle Play Part Two’, Reality Studios, ed. Ken Edwards, Vol. 5, Nos. 1-4, 1983; “Erogenous Sewage: Poodle Play Explores the Work of Hart Crane’, Heretic, ed. Paul Broen, Vol. 1, No 2, 1980; Out to Another Lunch Party: Plato’s transcendental sofa grounded in material hide by revelations concerning frightened phallicism, spatial screaming and nasal spores”, Equofinality, ed. John Wilkinson, Rod Mengham, No. 2, 1982; So Much Plotted Freedom: The Cost of employing the language of fetishized domination – poodle play explores the sex economy of Henry James” lingo jingo, Reality Studios, Occasional Paper, No. 6, 1987; “Secret Hungers in Horace”, Horace Whom I Hated So, ed. Harry Gilonis, 1992; Secret Hungers in Horace: The Negative Dialectics of Poodle Play Performs a Psychoanalgesis on Horace, Form Books, Occasional Paper, No. 1, 1993.

[3] Theodor Adorno and Max Horkheimer, The Dialectic of Enlightenment, 1944, p. 219.

[4] Frank Zappa, “Florentine Pogen’, One Size Fits All, 1975.

[5] Out To Lunch, “Frank Zappa: The Negative Dialectics of Poodle Play Part One’, A vision Very Like Reality, ed. Peter Ackcroyd, Ian Patterson, Nick Totton, Dezembro 1979, p. 22. Estas palavras também serviram como texto para um concerto para leitor, orquestra e guiterra eléctrica de Simon Fell, Four Slices of Zappa, 1992.

[6] Frank Zappa “Cheepnis”, Roxy & Elsewhere, 1974.

[7] Um preâmbulo que se estende ao resto do prefácio e aos próximos cinco capítulos. Os leitores que queiram passar à frente e ir ao âmago da questão, podem ver a discussão sobre “cuecas” na secção intitulada “Roxy & Elsewhere” no Capítulo 5: Da Bizarre à Discreet.

[8] O termo pós-modernismo é notoriamente vago, mas apesar disso foi bem resumido por Anna Copeland: “Uma reacção a tradições intelectuais que tentam explicar o mundo usando conceitos universais como os modelos freudianos da personalidade, teorias marxistas da economia, ou as explicações causa-efeito usadas pelos historiadores, o pós-modernismo vê a vida no final do século-vinte como uma série de acontecimentos desconexos, um self-service de narrativas ou dissertações que competem para obter atenção.” “Two Cultures: A Reader’s Guide”, Omni, Vol. 16, No. 2, Novembro 1993, p. 44. É contra pós-modernismo deste jaez que as habilidades do caniche se opõem (juntamente com Alex Callinicos; vejam o seu Against Postmodernism: A Marxist Critique, 1989).

[9] Audiência no senado sobre “pornografia no rock”, 1985.